MINUETOS DE NATAL >> Zoraya Cesar

Minueto, do francês menu (pequeno): dança de gestos delicados. Como a vida, muitas vezes.

1° Minueto – um instante de compaixão

O homem sentou-se pesadamente em frente à luzinha vermelha que, sabia, sinalizava a presença do dono da casa. “Ele” morreu tão sozinho quanto estou agora, pensou amargurado, chorando silenciosamente para dentro.

Tanta gente no mundo, tantos conhecidos de trabalho, uma agenda repleta de telefones e absolutamente ninguém com quem passar o Natal. Olhou em volta e viu que o velho Padre, andando pela Igreja e desfiando um Rosário, parecia também muito só, além de um tanto empobrecido, a batina muito limpa meio surrada, sapatos gastos. Coitado, pensou o homem, talvez passe necessidade, gostaria de fazer algo por ele, eu bem gostaria que Deus fizesse algo por mim...

E, podem acreditar, nesse breve instante de compaixão pelo velho Padre, o celular toca, e o primo, com o qual brigara e não falava há quase um ano, chama-o para fazerem as pazes, passarem o Natal juntos, eram os únicos parentes vivos na família, que deixassem de bobagens.

Ele se levantou e saiu correndo, mal acreditando no milagre, sem saber o que fizera por merecê-lo.  Antes de chegar à porta, porém, deixou na caixinha do Presépio quase todo o dinheiro que tinha, que não era pouco. Talvez, pensou, isso compre uma batina nova. E pediu a Deus que o Padre não passasse sozinho o Natal.

Foi a compaixão que o fez merecedor, explicou um Anjo a Santo Antonio. E continuou a abanar Menino Jesus, pois fazia muito calor naquele dia.

2° Minueto – de mulher para mulher

Ela chegou desconfiada, pronta para fazer escândalo, caso alguém a mandasse embora. Estava acostumada a escândalos, mais um, menos um, não faria diferença.

Mas o velho Padre sorriu-lhe e continuou a andar pela Igreja, murmurando.   Então, espantou-se, ele não ia mandá-la embora? Dizer que sua roupa curta e decotada era inadequada? Criticar sua maquiagem exagerada e agora borrada pelos excessos da noite?

O silêncio do lugar e a discreta acolhida do Padre encheram-na de um sentimento bom que ela não soube explicar.

A mulher aproximou-se do Presépio. Era muito bonito, rico, até, contrastando com a simplicidade quase ascética da Igreja. Alguém teve um cuidado muito especial em montar a cena de adoração ao Menino Jesus. Ela se comoveu. Lembrou de como seu filho era pequenininho ao nascer, da alegria que sentiu quando o segurou nos braços a primeira vez, apesar de a condenarem por não ter abortado, mãe solteira, sem emprego, sem nada.

Olhou para Nossa Senhora, e imediatamente sentiu-se compelida a conversar com Ela, contar de sua vida, seus pecados, suas dores, do filho e da mãe que a rejeitavam, dos Natais longe da família, das noites mal dormidas, das más escolhas, da falta de escolhas. E Maria contou-lhe também da pobreza, da fuga, do medo, da tristeza, em tantas coisas suas vidas se pareciam, admirou-se a mulher. Só que você é uma Santa, e eu, uma pecadora, disse, chorando, chorando, até Nossa Senhora acalmá-la novamente. 

Agradecida pelo enorme alívio que sentia, a mulher desfez uma de suas pulseiras, cheia de badulaques, e começou a colocá-los, delicadamente, no manto e aos pés de Maria, um sininho, um peixe, um cofre, um coração, todas as pérolas.

A campanhia do seu celular ecoou pela Igreja, interrompendo estridentemente seu colóquio com a Santa, mas talvez o velho Padre fosse um pouco surdo, porque não chamou sua atenção, nem mesmo quando ela deu um pequeno grito, ao ouvir o convite do filho e da mãe para passarem o Natal juntos.

Antes de sair desabalada, a mulher ajoelhou, beijou os pés de Nossa Senhora, deixou parte do dinheiro arrecadado na noite na caixinha do Presépio.

O velho Padre ajeitou alguns dos enfeites recém-colocados. Ficou mais bonito mesmo, hein, Santíssima? Maria sorriu e desdobrou uma das pregas do manto, estava realmente muito quente.

3° Minueto  - acontece todo dia

O velho Padre, na verdade, nunca estava só – os Santos lhe faziam companhia; nem se sentia sozinho – sempre tinha muitos afazeres; e felizmente não passava necessidade, apenas levava uma vida simples.

Terminado o Rosário, agradeceu os pequenos milagres do dia, fechou a Igreja, foi para seus aposentos, nos fundos, e levou um prato de comida para o vigia da rua, com o qual conversou por um bom tempo, amigos de longa data que eram. 

Ao voltar, não fosse ele um homem acostumado ao extraordinário, teria tido uma síncope.

A porta que dava para a Igreja agora estava aberta e, junto a ela, um enorme gato preto desenhava no ar, preguiçosamente, delicados arabescos com a cauda.

Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o Sacerdote acompanhou o intruso até o Presépio. E ali, daquela maneira mágica que só os gatos possuem, o felino deitou-se sem derrubar uma só imagem, sem desfazer um só enfeite, envolvendo o berço de Menino Jesus com o corpo e as patinhas abraçando Nossa Senhora.
 
O velho Padre sorriu. Decididamente, o Natal era uma data muito emocionante.

 

 

Comentários

Alexandre Durão disse…
Querida Zoraya. A crônica é linda, não usual, criativa, suave e sensível. A crônica, agora entendo, é como você.
Beijos, parabéns pelo trabalho de lavra (da palavra), e um Natal de paz e alegria.
Cristiane disse…
Adorei!!! Achei muito fofa essa crônica, a sua cara!!! Espero que o seu Natal seja uma linda noite de amor e paz!!!Bjs.
Carla Dias disse…
Zoraya... Lindo, mas de uma lindeza de quem sabe colocar em um mesmo balaio, com suas devidas recompensas, o que nos fere e o que nos alenta.
Erica disse…
Adorei a parte do anjo abanando o Menino Jesus e da Maria desdobrando o manto porque estava muito calor!!!! Tão realista, apesar de mágica, essa crônica rsrs
Feliz Natal, querida! Para você e todos os seus. Que os anjos nos abanem também, pois realmente está muito quente! rsrs
Unknown disse…
Lindo mesmo, Zoraya!
Obrigada por nos presentear com seus textos, sempre carregados de sensibilidade e doçura...
Grande beijo!
Aretuza disse…
A melhor crônica de 2012!!
Dedé Araujo disse…
ah, mas eu nunca tive dúvida, nem por um segundo, que vc acredita no incrível!!! Bom, grandes elogios foram feitos, então, vou me juntar à Aretuza e à Érica: melhor texto de 2012 e que os anjos nos abanem!!! Beijos.
Ana González disse…
Puxa vida, Zoraya!!! Linda mesmo e acho que não é uma crônica, é quase um conto. A surpresa nos conduz além. Lá longe.rsrsrs... Bom Natal! bjss
Anônimo disse…
Tocante! Li com minha gata preta no colo, os animais pressentem nossas emoções...adorei! Feliz natal. Aglae
Zoraya disse…
Pessoal,que o Natal de vocês e de todos os seus Queridos seja tão generoso quanto seus comentários. Obrigada! E desejo mais: que continuemos a enxergar e a aceitar o incrível.
albir disse…
Zoraya,
seu texto é um oásis em meio ao consumo e à ostentação.
Feliz Ano Novo pra você, continue brilhante e conosco.
Beijos!

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