AI, MEU CORAÇÃO! .. Albir José Inácio da Silva
Atravessou a quadra silenciosa
naquele horário e subiu a escada que dava acesso à secretaria do clube. Havia
algo estranho. Primeiro o portão encostado, que ele se lembrava de ter fechado
ontem, depois a porta destrancada e agora a luz acesa. Arakém proferiu a
clássica pergunta que antecede os assassinatos.
- Quem está aí?
A reunião da diretoria só
começaria às oito, mas ele chegou antes das sete da manhã. Queria examinar documentos,
além dos que tinha lido durante a madrugada, queria mais provas porque sabia
que além de fraudes, superfaturamentos e desvios, havia outros crimes
praticados pela quadrilha, que há anos se instalou na administração do Grêmio Recreativo
Tarietense. Depois da reunião, iria direto à delegacia.
O escritório estava desarrumado porque
ele mesmo o deixou assim ontem à noite, quando recolheu às pressas alguns
papéis e foi pra casa. Agora sentia algo de errado no ambiente. Um arrepio
subiu-lhe pela espinha. Entrou na sala de reuniões que estava escura, mas não
conseguiu acender a luz, foi agarrado por um encapuzado. Seu braço foi torcido
para as costas, e um outro capuz surgiu à sua frente com uma faca.
- Nada disso precisava acontecer,
Arakém, era só você ter perdido como das outras vezes.
Arakém soube que ia morrer porque
o outro nem disfarçava a voz. Reconheceu também a risada de quem o segurava e perguntou:
- Pra que o capuz?
Bóssi admitiu que era bobagem
esconder o rosto, enfiou a lâmina no peito do presidente eleito e torceu a mão
para os dois lados. Não devia sobreviver. Arakém dobrou os joelhos e caiu pra frente
porque Neném soltou o seu braço e virou de costas - não podia ver sangue.
- Quê que foi, ô mariquinha, vai
desmaiar? - desdenhou Bóssi, que agora tinha pressa. – Segue o combinado, corre
e desaparece com tudo. – disse e apertou o botão do alarme que, àquela hora da
manhã, trouxe os vizinhos para as janelas e parou os transeuntes que iam pra o
trabalho. Entregou a máscara e a faca pro Neném, abriu a porta do escritório e
gritou do alto da escada:
- Socorro! Socorro!
Neném, de capuz, roupa preta e um
saco grande na mão, cruzou a quadra correndo, subiu no muro e saltou na calçada.
Nesse momento, uma moto, sem placa, com tinta barata cobrindo a pintura e escapamento
aberto, parou no meio-fio com estardalhaço. O piloto também tinha o rosto
coberto. Neném pulou na garupa e o veículo saiu roncando pelo asfalto.
Aos primeiros que chegaram, Bóssi
explicou chorando que tinha marcado com Arakém um encontro antes da reunião da
diretoria para cuidarem da transição. E que ao chegar encontrou o presidente numa
poça de sangue. E que quando foi à porta gritar por socorro ainda viu o ladrão
encapuzado pulando o muro.
Bóssi repetiu a história quando o
delegado chegou, e os presentes confirmaram ter visto o fugitivo desaparecer
numa moto sem placa. Bóssi confirmou que algumas coisas foram roubadas, incluindo
os pertences do morto. Lembrou que Arakém não tinha inimigos, só adversários
políticos - gente honrada, incapaz de fazer mal a uma mosca.
Latrocínio. Se havia alguma coisa
a investigar, era a autoria, muito difícil, aliás, porque encapuzados que somem
de moto na estrada podem já estar muito longe. A violência das grandes cidades
tinha chegado à pacata Tarietá.
Arrasados com a tragédia, os outros
membros da diretoria se recusaram a tomar posse. E Bóssi aceitou o sacrifício
de dirigir o clube, naquele momento difícil, até que houvesse novas eleições.
- Uma boa gestão é a melhor
maneira de homenagear o presidente assassinado. O Tarietense não se furtará às
suas responsabilidades e continuará encantando a vida da cidade – disse Bóssi,
já em franca campanha.
(Continua em 15 dias)
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