SODAMA IV >> Albir José Inácio da Silva

Seu Ernesto lamentou o desaparecimento de “tão aguerrido adversário” e redobrou seus esforços de campanha.

Era hora de voltar às ruas, de onde saíra depois de ouvir até xingamentos provocados pelo discurso de ódio de Manassés. Sacudiu a poeira pra retomar passeatas, santinhos, doações e entrevistas. Puxa-sacos, jagunços e desocupados foram arregimentados para a empreitada. Voltaram os elogios e os tapinhas nas costas, os filhos eram trazidos para a bênção do Seu Ernesto. Gentinha mais sem-vergonha!, pensou ele.

Dessa vez só não podia haver faixas e cartazes no Sodama. Precisava cortar os laços que ainda o ligavam àquele lugar. Assumiu novo gerente, um tal de Lucão, pessoa de sua confiança, suficientemente discreto para não lhe causar embaraços.

As meninas é que não iam bem. Aumentavam os rumores de que a casa seria fechada e agora elas tinham aquele gorila como gerente. Qualquer reclamação de cliente e ele multava, o que fazia aumentar a eterna dívida das meninas. Além disso, nos corretivos, não era tão cuidadoso quanto Seu Ernesto, e as meninas viviam com manchas roxas que às vezes a maquiagem não disfarçava.

Seu Ernesto nem no sábado aparecia mais para fazer sala aos clientes Vips. Quando queria lá suas saliências, passava pela barbearia e se esgueirava até os quartos. Mas isso era cada vez mais raro. Ele arranjou noiva na cidade e quase já não usava as meninas. O único prazer de que não abria mão, e que não sabia ainda como ficar sem aquilo quando o Sodama fechasse, era o sótão.

A história do sótão começou há anos. Seu Ernesto sempre subia ali para guardar umas tralhas e desocupar espaço na casa. Uma vez, quando já ia descer, percebeu uma réstia de luz que subia do assoalho. Deitou-se no chão e viu, lá em baixo, uma cena que disparou seu coração. Ernesto descobriu uma coisa melhor do que fazer: assistir. Naquela noite só desceu do sótão depois do último cliente. Desde então, toda semana sobe com seu uísque e se acomoda no colchonete.

Quando Lucão saiu para as compras na cidade, a reunião começou. Leninha, a mais velha, fez triste balanço da situação. Aumentavam os boatos de fechamento do Sodama; Seu Ernesto desaparecera dali e só vinha escondido, nos finais de semana, para o sótão; se com ele era ruim, com o novo gerente a coisa tinha piorado muito; já se via no olho da rua, expulsa a pontapés, como aconteceu da outra vez. Deinha levantou a mão:

— Nós ainda temos as fotos!

Deinha era a mais discreta das moças e estava no Sodama há poucos anos. Chegou ainda menina, depois que o pai a jogou na rua porque se perdeu com um playboy. Era a preferida do patrão, até que chegou uma mais nova. Foi Deinha quem descobriu o segredo de Seu Ernesto. Um dia quando ele desceu, já de madrugada, ela foi ao sótão e viu, ao lado do colchonete, a luz que subia do quarto. Dali fez muitas fotos de celular, durante meses, não só de Seu Ernesto, mas de vários figurões da sociedade municipal.

Na época decidiram, ela e as outras, que aquilo serviria para pressionar Seu Ernesto a aumentar o valor recebido por programa e perdoar algumas dívidas, que não conseguiam pagar por causa dos juros. Esperavam uma oportunidade para isso, quando sobre elas se abateu aquele pesadelo. Era o momento.

Da varanda da casa nova, Ernesto observava o Sodama. Que destino dar ao sobrado depois das eleições? Foi arrancado de seus pensamentos quando viu as mulheres atravessando a rua e parando em frente ao seu portão. Ai, ai, ai, ai, ai! Deu confiança demais para aquelas vadias.

(Continua em 15 dias)

Comentários

Babinho disse…
....eita lasqueira....
albir disse…
Babinho!!!
Obrigado e abraço.
Zoraya disse…
To curiosíssima!

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