VENDE-SE FELICIDADE! >> Sílvia Tibo

 

 

Quando eu era criança, ficava intrigada ao ouvir um adulto dizer que não podia comprar alguma coisa. Pensava sempre com os meus botõezinhos (já bem agitados à época) que aquilo não fazia o menor sentido. Afinal, o que é que custava pegar a caneta e preencher uma das muitas folhinhas do talão de cheques, no valor da mercadoria desejada?

E só não pensava que seria mais fácil ainda passar o cartão de crédito na maquineta da loja (como, imagino, devem cogitar as crianças de hoje), porque esse instrumento de compra ainda não havia sido inventado à época.

Mas não demorou muito para que eu passasse a ter noção do quanto as coisas custavam e do quanto era difícil consegui-las. Em pouco tempo, percebi que as folhinhas de cheques, em si mesmas, não tinham qualquer serventia. Era preciso trabalhar (e muito!) para que elas adquirissem algum poder de compra.

Para a minha total decepção, num belo dia, descobri que os tais papeizinhos não podiam ser simplesmente trocados por bonecas, vestidos e cadernos, como eu supunha. Definitivamente, não era bem assim que a coisa funcionava.

Essas lembranças da infância me vieram à mente num dia desses, assim que recebi por e-mail um arquivo intitulado “E se o dinheiro não existisse?”. Trata-se de um vídeo a respeito da influência que o dinheiro exerce sobre nossas vidas, sobretudo no que toca às nossas escolhas profissionais.

De acordo com o narrador, em regra, não somos orientados por nossos pais e professores a escolher a profissão que nos trará maior satisfação pessoal, mas sim aquela que nos proporcionará melhores resultados financeiros, ainda que, para tanto, seja necessário deixar de lado nossas verdadeiras aptidões. E essa educação distorcida faz surgir um sem número de profissionais frustrados e medíocres, que, sem o menor amor pelo que fazem, limitam-se a cumprir suas obrigações diárias para receberem a remuneração ao final do mês.

Por coincidência (ou não), poucos dias após assistir ao vídeo, recebi em casa um jornal cuja reportagem de capa trazia a velha e famigerada pergunta: “O dinheiro compra felicidade?”.

Embora o assunto nada tenha de novo, o que me chamou a atenção, nesse caso, foi o resultado da pesquisa feita por uma empresa de consultoria de investimentos em treze países, inclusive o Brasil, em que noventa e três por cento dos entrevistados responderam de forma afirmativa à indagação.

Não discordo dessa maioria esmagadora. E seria hipocrisia da minha parte dizer o contrário. Afinal, no mundo em que vivemos, o dinheiro é essencial para se concretizar a maior parte dos anseios, que, em geral, estão mesmo voltados, direta ou indiretamente, à aquisição de bens de consumo. Além disso, na prática, é preciso recorrer ao dinheiro até mesmo para que se tenha acesso a direitos básicos como saúde e educação de qualidade, que deveriam ser (mas não são) fornecidos gratuitamente e a todos, de forma igualitária.

Inspirada pelo vídeo e pela reportagem de capa do jornal, fiquei imaginando como nos comportaríamos se, num belo dia, acordássemos com a notícia da promulgação de uma lei determinando a extinção do dinheiro ou proibindo o seu uso como instrumento para a aquisição do que quer que fosse.

No estágio em que estamos, acredito que a novidade, por si só, não nos tornaria consumidores menos ávidos. Afinal, continuaríamos sujeitos aos bombardeios e apelos diários dos meios de comunicação, que nos impelem a comprar sempre e cada vez mais. Na falta do dinheiro, certamente nos valeríamos de algum mecanismo de troca, a fim de darmos continuidade a todo esse processo de acúmulo de bens.

Cheguei à conclusão, então, de que não é o dinheiro o vilão da história. O problema está em nós mesmos, que, insatisfeitos com aquilo que já temos, criamos novas necessidades a todo o tempo e, a fim de supri-las, consumimos de forma desenfreada e irresponsável. Movidos por desejos que parecem não ter fim, compramos coisas das quais não precisamos, com o dinheiro que muitas vezes não temos. Endividamo-nos, irracionalmente, convictos de que o dinheiro pode mesmo comprar tudo, inclusive a tão sonhada felicidade.

Comentários

Muzardo disse…
Parabéns por perceber os fatos de maneira tão simples e ao mesmo tempo tão realista. De fato, os valores materiais são buscados a todo custo pelas pessoas que se esquecem de priorizar os valores espiirituais, estes, sim, os mais preciosos da vida.

Muzardo.
Ana González disse…
É isso, Sílvia! Simples assim!O mundo é mais complexo do quea imaginação infantil. bjss
Karoline Cruz disse…
Ótimo texto como sempre!
É mesmo muito difícil viver sem o tão sonhado salário mensal, para quitar as despesas, muitas vezes desnecessárias que fazemos.
Ainda bem que, amigos de verdade nos traz felicidade e isso a gente não compra!
Bjs Sil!
Unknown disse…
Querido Muzardo!

Obrigada pela visita e pelo comentário.

Os valores andam mesmo meio invertidos, não é? Mas temos ainda a chance de guiar nossos filhos por caminhos diferentes...

E sei que o faremos!

Grande abraço!
:)
Unknown disse…
Pois é, Ana!
Há momentos em que é mesmo necessário recordar toda essa simplicidade, não é? Ao menos para que nos lembremos de que a vida pode ser um pouco menos complicada...
Grande beijo!
Unknown disse…
Karolzinha, obrigada!
Pela visita e pelos comentários carinhosos e generosos de sempre...
Amigas como você são os bens mais preciosos que tenho! E dos quais mais me orgulho de possuir!
Beijo enorme!
albir disse…
Muito boa a sua reflexão, Silvia. Diante das vitrines, muitas vezes nos comportamos como crianças, achando que o papelzinho compra tudo.
Unknown disse…
É verdade, Albir!

E o pior é que a maior parte daquilo que compramos não reflete nossas reais necessidades, não é?

Adquiridos pelo simples prazer de consumir. E então os papeizinhos, recebidos à custa de horas e horas de trabalho, esvaem-se assim, rapidamente, antes que o mês acabe, e a troco de quase nada...

Mas acho que ter consciência do erro é o primeiro passo...

Sigo tentando não sucumbir aos apelos das vitrinhes...rs.

Grande abraço!
Tina Bau Couto disse…
Pois é!
Somos nós os narradores, personagem principal, cenógrafos de nossas histórias e o nosso investimento para ter sucesso deve ir bem mais além dos valores monetários.

Adorei o post :)

Recomendo:
http://blogdtina.blogspot.com.br/2013/01/desejo-vontade-de-possuirsegundo-o.html
Unknown disse…
Com certeza, Tina!
Obrigada pelo comentário.
Vou visitar o blog recomendado!
Grande abraço.
Pois é, Sílvia, quando o ser humano cresce, descobre que as folhinhas de cheque não fazem milagre. Agora é preciso a gente crescer para descobrir que as coisas que as folhinhas de cheque compram não fazem o milagre da felicidade.
Unknown disse…
É verdade, Eduardo!

No final das contas, em qualquer fase da vida, os tais papeizinhos não possuem todo o valor e o poder que costumamos dar a eles, não é?

À medida que crescemos, passamos a ter noção de que é preciso trabalhar para que eles (os papeizinhos) tenham alguma utilidade. Mas aí, passamos a trabalhar tanto para fazer com que eles se multipliquem mais e mais que acabamos deixando de lado as ferramentas capazes de nos trazer a verdadeira felicidade.

Você disse tudo!

Grande abraço!
Pai disse…
Parabéns pelo texto...
O vil metal tem mesmo um enorme poder no comportamento das pessoas. E como tem.
Quem sabe sem ele tudo poderia ser bem mais simples.

Bjssss
Zoraya disse…
Silvia, o pessoal aí em cima já disse tudo, eu só corroboro. Qualquer coisa pode ser boa ou ruim, depende muito da forma como a usamos. Mas acrescento que a crônica está uma delícia de leitura! Beijos
Unknown disse…
Pois é, pai! Volta e meia me pego refletindo sobre isso.
Nao dá pra viver sem ele, mas é possível utilizá-lo com mais responsabilidade e consciência, né?
Grande beijo!
Unknown disse…
Zoraya, querida!
Obrigada! :)
O segredo está mesmo em saber usar!
Sigo aprendendo...
Beijo.
Unknown disse…
Zoraya, querida!
Obrigada! :)
O segredo está mesmo em saber usar!
Sigo aprendendo...
Beijo.

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