SEGUNDA CHANCE [Debora Bottcher]

Ela se lembrou do tempo em que se sentavam na escada do colégio fazendo planos de ser feliz: tinha os cabelos muito longos, os olhos brilhantes, o sorriso próprio de quem prevê o futuro com base na fantasia dos contos de fadas, sem jamais adivinhar reveses ou infortúnios. Quando se é adolescente tudo é possível e não se ousa manchar a fantasia com atropelos ou tragédias: no desenho que se traça, jamais caberá um horizonte além de azul.

Muitos anos depois e ela não sabe como foi que se perdeu daquele menino de cachos encaracolados da cor do trigo, a fala mansa, mãos que seguravam a sua dando-lhe a certeza de que o mundo era um lugar seguro.

É assim, descobrira: a vida muda num segundo. Você faz uma escolha – errada, só depois entende -, e vê aquilo que chamam de destino guinar na direção contrária. Então tenta voltar ao começo, mas já é muito tarde: a correnteza te arrastou. Num passe de mágica – aí sim, como nas histórias inventadas -, ficam pra trás pessoas que se amou, lugares em que se queria viver para sempre, aquele pedaço de si mesmo que nunca se deveria abandonar.

Não sabe ao certo porque está pensando sobre isso, mas tem a vaga sensação de ter a ver com o telefone tocando durante a madrugada. Uma voz: não era uma notícia, queria conversar. Dizia coisas que ela não entendia muito bem, mas ela se lembrava de ouvir a brincadeira de um riso feliz. Acha que nada respondeu: está com a impressão de que tudo não passou de um sonho bom que acabou por remetê-la a um passado muito distante.

De toda forma, o dia está com outra aura e uma brisa leve parece anunciar que algo perdido pode ser recuperado – ainda que ela não saiba bem o significado disso. Ela, que vive à mercê de dias sempre iguais, inundou-se, de repente, de esperança. E espera: pelo impossível, pelo imponderável, por um sinal que indique que, seja como for, em alguma parte da estrada, é possível divisar o retorno e dar-se uma segunda chance.

Comentários

Zoraya disse…
Guardar essa para um dia de esperanças baixas. Que venham as brisas leves e mais textos seus! beijos
É uma boa idéia, Zoraya! Mas as esperanças estão sempre lá, dentro da gente: dizem que não acabam nunca... :) Beijo, bonita.
Unknown disse…
Que lindo, Débora! Eh mesmo um texto pra se guardar! :)
albir disse…
Suave e aquecedor o seu lirismo, Debora.
Ana González disse…
A sua cara, Débora, delicado e poético! Ela sempre, a esperança. Bjss
Anônimo disse…
Débora,

Nossa eu li seu texto e me lembrei agora mesmo do meu primeiro amor, talvez o único. Das noites enluaradas sentados na escadas falando sobre a vida e o amor. Do coração acelerado das mãos frias e boca seca de emoção.
Aí veio destino e sei lá o que ele fez, mas deixou isso tudo na caixa de lembrança. Assim como tanta coisas lindas.
Belo texto como sempre!

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