REUNIÃO DE FAMÍLIA >> Whisner Fraga
Há um clichê que diz que “reviver o passado é sofrer duas vezes”. Quem criou essa bobagem devia estar com uma insanável dor-de-cotovelo. Porque há várias situações em que reviver o passado pode ser muito divertido. Nem vou falar da aprendizagem, porque a crônica não é pedagógica, mas existe esse fator aí também, que é considerado, por alguns, algo positivo. Sabemos que o passado costuma se tornar um negócio complicado, só que não precisamos ser tão pessimistas assim.
Toda vez que viajo para ver minha família, no Triângulo Mineiro, quando nos reunimos para churrasco, o que mais fazemos é nos lembrar do passado. E contamos a mesma história mais uma vez. Por “a mesma história”, entendam que ela não muda com o passar dos anos e que todos a conhecem de cor. Só que o egocentrismo, a cerveja e o ambiente deixam os causos mais interessantes a cada visita. Uma dessas fábulas não pode ficar jamais de fora e sempre me agrada particularmente, de forma que vou relatá-la a seguir.
Estudávamos todos no período da manhã, eu e meus três irmãos. A vida não era fácil, mesmo sendo pré-adolescentes, sem responsabilidades a não ser tirar boas notas e com todas as refeições garantidas, dia após dia. Não era fácil porque tínhamos de 9 a 17 anos, os três homens. Minha irmã não faz parte dessa conta. Mimada, tinha a vida mais tranquila. Não era fácil porque minha mãe era muito rígida e nos impunha horários para tudo. Daí que podíamos curtir a noite, frequentar baladas, desde que estivéssemos em casa até, no máximo, meia-noite.
Descíamos para a rua vinte e seis, eu e Joãozinho, e lá ficávamos, de pé mesmo, olhando as meninas desfilarem na calçada. Às vezes íamos ao calçadão tomar sorvete, dependendo da boa-vontade de meu pai, que normalmente não liberava uns trocados para tanto. Nosso programa era muito barato: o custo de uma lavada de camisa e de uns milímetros de solado de sapato. Saíamos sexta, sábado e domingo e não nos enjoávamos. A partir das onze e trinta, o movimento rareava, pois os mais abonados iam para a boate. Acho que minha ojeriza por casas noturnas começou nessa época.
O fato é que era domingo, eu tinha 15 anos e meu irmão mais novo 9, e todos tínhamos de acordar às seis da matina, para preparar o café e tocarmos para o colégio, tendo feito a lição ou não, tendo estudado para a prova ou não. Era o jogo. O fato é que eu era responsável, CDF e regressara às vinte e três horas. Onze da noite, como diziam. Em casa, ainda não estava com sono e minha cabeça vazia era não uma oficina, mas uma indústria do diabo. Fui ao quarto em que dormíamos os três, o caçula já estava no terceiro sono, raptei sorrateiramente o despertador, ajustei para tocar dali a quinze minutos e o devolvi na cabeceira da cama do meu irmão mais novo.
E fiquei esperando o resultado. Dali a pouco eu só testemunhava o menino reclamando, chateado, que a noite tinha sido curta. Como a noite é sempre curta para tanto sonho e a de domingo parece mais breve ainda, não havia novidade. Vestiu o uniforme, calçou os sapatos e rumou para o banheiro. No caminho, trombou comigo. Assustado, comentou que devia estar muito atrasado, porque minha cara aparentava uma vivacidade surpreendente e eu já estava vestido. Aí não aguentei e desatei a rir. Ele, sem compreender, correu para lavar o rosto e eu continuei a me divertir por alguns minutos. Depois, notei que não adiantava muito tentar explicar o ocorrido e fui para a cama. Mais cedo ou mais tarde ele ia entender tudo.
Comentários
O meu clichê é: feliz quem tem lembranças para reviver o passado.
Bjs
Marisa, gostei do seu clichê, também penso assim.
Abraços,
Whisner.