QUE ME PERDOEM OS FILÓSOFOS
>> Carla Dias >>
Eu não sei filosofia. Tive um professor de filosofia no colégio, há mil tempos, mas não me lembro de um nada do que ele ensinou, porque a dele era uma filosofia despedaçada. E olha que eu era boa aluna. Nada naquelas aulas me surpreendeu a ponto de permanecer.
Alguns amigos sabem filosofia, não do jeito que os filósofos a sabem, eu creio, mas de um jeito literário-panfletário, com direito a marcador de texto em mãos, a colorir tudo o que irá parar nas mensagens pessoais ou que será citado em status de rede social.
Talvez o meu problema seja a mania insistente de transformar tudo em poesia. Alguns dizem que faço isso para estragar a seriedade dos assuntos, mas não! Jamais alvejaria seriedades com descaso. Digo em poesia porque sou ignorante, não sei dizer de outro jeito. Não sei o jeito que é para poder dizê-lo.
Assisti a um programa de tevê no qual um filósofo – que não gosta de ser chamado filósofo – estava sendo açoitado com perguntas sobre a filosofia entremeada à política. Não que ele desgostasse da inquirição, pois é figura que a provoca sem medo, só que me pareceu que ele queria ir além, apesar de cercado pelo tema. Lembro-me de ter dito, para a televisão mesmo, como se ele pudesse me escutar: filosofia é e ponto ou é além?
Na minha condição de ignorante, posso perguntar o que quiser sem medo de errar, porque errar vem no pacote com a ignorância. E não estou fugindo responsabilidade de eventualmente aprender, mas é que a liberdade que a ignorância oferece é dos melhores prefácios para o aprendizado. Talvez eu nunca compreenda a complexidade da filosofia, mas jamais deixaria de perguntar sobre ela.
No meio do alvoroço, alguém decidiu falar sobre os livros do filósofo. Foi então que o filósofo - que não gosta de ser chamado filósofo – poetizou.
Quando ele citou a arte, fazendo referência ao juízo estético, citando a imagem pictórica, ele me fez acreditar novamente no poder da ambiguidade, no bem e mal, certo e errado, feio e bonito, os contrários no mesmo balaio, o olhar do aceite. Não reconheci certos termos, que devem ser coisa de filosofia mesmo, mas ele falou de um jeito de poeta que não é poeta, mas sim filósofo que não gosta de ser chamado filósofo. Além do mais, há algo que parece que, também na filosofia, anda fazendo falta: aqueles que atinjam um alto nível de conhecimento, que realmente tenham se dedicado a aprender, e não apenas a citar a bibliografia dos que nasceram há séculos, e que popularizem essa sabedoria sem imbecilizá-la. Já que, infelizmente, popularizar tem feito par com o imbecilizar, como se fossem um casal que jamais recorrerá ao divórcio, porque isso não é coisa que se faça.
Posso não saber filosofia, e talvez nunca a aprenda como se deve, tornando-me apenas uma entusiasta do tema, quem certamente terá dificuldades em se lembrar dos nomes dos célebres filósofos de todos os tempos, até mesmo do nosso. No entanto, adoro o verbo, o significado amplo que ele abarca, no Aurélio mesmo. É que filosofar sobre pedras criando círculos na água, ou sobre os lábios se preparando para o beijo. Sobre o que dói e o que alegra, assim como o que é claramente percebido e o que depende da atenção do distraído. Filosofar é se esbaldar em uma poesia de sentidos aguçados.
Que me perdoem os filósofos.
Imagem © Rodrigo Scott - rodrigoscott.com
Comentários
Abs
Vera Menezes
Boa Crônica.
Vicente... Então sou de filosofar o tempo todo, porque não consigo para de pensar, refletir, questionar. Obrigada pela gentileza de ler meus textos.
Marisa... Fiquei tão contente em saber que a sua filosofia de vida recebeu bem os meus textos. Beijos!
Zoraya... Ufa! Ser perdoada, de vez em quando, é bom.