VOLTAR >> Fernanda Pinho
O senso comum não se engana. É em fevereiro que o ano começa
no Brasil. Quando as escolas retomam suas atividades, obrigando filhos (e pais)
a deixarem a praia, o sítio ou umas horinhas a mais de sono para retomar as
atividades. Os estudantes voltam a colorir as ruas com seus uniformes, o moço
do sorvete da porta do colégio volta a faturar e as ruas que abrigam escolas
voltam a se tornar um caminho inviável nos horários de entrada e saída. Um
movimento incrivelmente insuportável e delicioso.
Faz sete anos que terminei a faculdade e não cumpro mais com
obrigações escolares, mas ainda não me esqueci quão insuportável era acordar
cedo para ir para a aula. Quanto ao "delicioso", não pense que
acrescentei esse predicado só agora, como uma saudosista boba que não
aproveitou as coisas na hora certa. Eu tive consciência do quanto era bom
voltar às aulas em toda a minha vida estudantil. Era tão bom que eu até achava
que as férias nem precisavam durar tanto assim. Dois meses para descansar de
quê exatamente?
Minha vida era tão tranquila durante o ano letivo. Se
resumia a basicamente prestar a atenção nas aulas durante a manhã e curtir
bastante o ócio durante a tarde. Aliás, como não tinha Facebook naquela época,
gostaria muito de me lembrar como eu gastava meu tempo. Realmente não me
lembro. Possivelmente sendo muito mais inútil que meu contemporâneo Mark
Zuckerberg que deve ter sido um estudante hiperativo empenhado em bolar alguma
ferramenta para ganhar dinheiro às custas do ócio alheio. Assunto para uma
próxima crônica, voltemos à volta às aulas.
Sem ter do que descansar, assim que eu voltava da praia, lá
para meados de janeiro, já começava a me envolver com aquele clima. Sair para
comprar os materiais escolares era um evento. Adorava quando meus pais me
levavam numa papelaria chamada Bakana. Eu adorava a Bakana e foi por causa dela
que descobri a existência da letra "K". Lá vendia de tudo. Os livros,
os cadernos e aqueles estojos estilo MacGyver, que você apertava um botão e
acionava tesoura, régua, compasso, transferidos, pen-drive... Quer dizer. Ainda
não tinha pen-drive, mas hoje em dia deve ter.
Ao chegar em casa, começava o namoro com os materiais.
Enquanto minha mãe encapava afetuosamente todos os cadernos com o clássico
plástico xadrez vermelho e branco, eu me ocupava em organizar os lápis de cor e
em sentir o cheiro dos livros até enjoar. Na véspera do primeiro dia de aula, a
mochila era impecavelmente organizada com a promessa, jamais cumprida, de que
seria assim o ano todo.
Naquela noite, eu mal dormia de ansiedade. Quem serão meus
novos professores? Estarei na mesma turma que minhas amigas? Será que alguém
tomou bomba? E se tiver algum novato bonitinho? Vão gostar do meu novo visual?
Sim, porque era importante exibir alguma novidade na volta às aulas. Um
bronzeado ou um tererê adquiridos na praia. Um novo corte ou uma mechinha no
cabelo. Ou mesmo uma roupa legal, porque no primeiro dia até ir sem uniforme
era permitido. Os reencontros, as novidades, as fofocas, a disposição. Tudo era
uma delícia, até se tornar uma rotina insuportável. Mas não insuportável o
bastante para me poupar de uma grande saudade nessa época do ano.
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Este texto é dedicado à minha mãe que, durante os últimos 25
anos, acordou cedo todos os dias do ano letivo para mandar uma das filhas para
a escola e agora, com a formatura da filha caçula, está livre desse martírio,
sempre cumprido com muito amor.
Imagem: www.sxc.hu
Comentários
PARABÉNS PELA FORMATURA,IMAGINO COMO DEVE SER BOM O GOSTINHO DE,DIGAMOS, "DEVER COMPRIDO".
:-)