VOAR É PRECISO >> Fernanda Pinho
"Às vezes é bom fazer o que tiver medo.
Porque dizem que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo".
[Sérgio Britto]
A princípio não significou muito para mim aprender que os
seres vivos "nascem, crescem, se reproduzem e morrem". Eu tinha seis
ou sete anos e achava que não havia motivos para me preocupar, afinal meus
pais ainda não tinham se reproduzido. Mas logo veio o entendimento — que muitas
vezes mais atrapalha que ajuda — de que eles não apenas já haviam se
reproduzido como eu era o resultado disso. Eu! "Agora eles vão
morrer", pensei, alarmada. "Vão morrer e eu serei órfã como o Mário
Ayala", concluí já me vendo com o mesmo destino do personagem da novela
Carrossel, que vivia sob a custódia de uma madrasta má. Conclusão: toda noite,
após a exibição da novelinha, eu chorava de pena do Mario e de medo dos meus
pais morrerem.
Foi a primeira vez que fui punida pelo meu medo. Incomodada
com meu excesso de drama, minha mãe me proibiu de ver a novela. A parte ruim foi
que ficava por fora dos assuntos sempre que meus colegas de escola comentavam o
capítulo anterior. A parte boa foi que reprisaram a novela várias outras vezes
e, já com mais maturidade, pude acompanhar sem maiores traumas.
Separar a vida real da ficção foi algo que a maturidade não
demorou a me mostrar. Por outro lado, foi com muito custo que aprendi que, ao
contrário das novelas do SBT, a vida não tem reprise. Se você perde uma
oportunidade por medo, é grande a possibilidade de você nunca mais ter outra
chance.
Digo que custei a aprender porque sou uma pessoa de natureza
fóbica. Sabe esses medos básicos, tipo medo de fantasma, cachorro, barata? Pois
é. Tenho todos. O mais grave, porém, é o medo de avião. Nunca deixei de viajar
por isso, mas é sempre um sofrimento. Posso passar horas dentro de um avião sem
conseguir, um minuto sequer, me esquecer de que estou dentro de um avião. Não
tem conversa, filme ou livro que me distraia. Passo o tempo todo monitorando os
rostos das aeromoças, procurando algum indício de desespero. Se elas
desaparecem por meia hora já imagino que a tripulação está toda reunida na
cabine, numa reunião convocada pelo comandante, que prepara sua equipe para a
tragédia que está para acontecer.
Por tudo isso, há alguns anos coloquei na minha cabeça que
dificilmente viajaria para o Chile por não suportar a ideia de sobrevoar a
Cordilheira dos Andes. Porque eu tenho essa coisa idiota de alimentar meu medo
consumindo produtos como o filme "Vivos". É só um filme? Sim. Mas
baseado na história real do famoso acidente aéreo acontecido nos Andes, em
1972. Para quê, então, sair da minha zona de conforto e me expor a uma coisa
dessas? Para molhar os pés nas águas do Pacífico enquanto aprecio o
espetáculo de gaivotas e pelicanos? Para comer empanada com refrigerante de
mamão? Para visitar a bucólica casinha de Pablo Neruda? Para me encontrar com
meu amor e ter uma merecida e antecipada lua-de-mel? Por essa eu não esperava,
mas foi o que a vida armou para mim.
Já na volta para o Brasil, enquanto, do avião, eu apreciava
a estonteante vista proporcionada pelos Andes, deixei escapar uma lágrima e um
sorriso. Uma lágrima de gratidão a mim mesma por ter enfrentado meu medo. Um
sorriso de promessa à lindíssima cordilheira: eu voltarei.
Comentários
Me vi inteiramente nessa postagem.
Como pode ser tão difícil e ao mesmo tempo emocionante enfrentar um medo?
Acabei de chegar de uma viagem ao Chile e meu medo de avião é simplesmente idêntico ao que vc descreveu.
Portanto não consegui, mesmo com o coração na boca e a adrenalina a mil, tirar os olhos daquela paisagem simplesmente deslumbrante sobre as Cordilheiras.
Só de pensar naquela cena me causa uma ansiedade por dentro.
Porém, mesmo com todo esse medo, prefiro o nervosismo de ter enfrentado do que a tranquilidade de não ter saído daqui.
Abraços