SEM FANTASIAS, POR FAVOR
>> Fernanda Pinho
Detesto quando preciso me definir. Porque não gosto de
perguntas sem resposta ou perguntas com um milhão de respostas. Sei que sou
tranquila a ponto de ver o circo pegar fogo ao meu lado e nem me abalar. Mas
também sei que sou estressada a ponto de eu mesma tacar fogo em alguns circos
por aí. Sei que sou ágil — quase no limite do desespero. Mas posso irritar as
pessoas nos meus dias de lentidão. Sou afetuosa, amorosa e paciente. E
implicante, chata e intolerante. Sei que tem gente que me acha uma palhaça. E outros
que me acham uma bruxa. Não posso discordar de ninguém. Sou tudo isso mesmo. Só
não sou volúvel. Quer dizer, sou sim. Ou melhor, não sou não. Ah, sou volúvel,
sim. Ou não? Sei lá. Acho oscilar a coisa mais humana que existe e desconfio
muito de quem é do mesmo jeito o tempo todo.
Sério. Me sinto muito mais segura ao lado de gente que reage
(aqueles que choram, se irritam, ficam bravo, têm ciúmes, preguiça, TPM) do que
dos inabaláveis. Porque quem reage é transparente, está sem máscara. Enquanto
os outros escolheram uma fantasia bonitinha e vão vivendo egoistamente, sem
deixar que ninguém os conheça de verdade. A troco de quê? Não sei. Nunca
consegui invadir a alegoria de um desses para perguntar.
Prefiro conviver com as várias "eus" que existem
dentro de mim a sustentar uma única farsa. Dá trabalho demais e nem nos mínimos
detalhes eu dou conta. Tenho um exemplo bom para isso. Certa vez, fui convocada
para uma reunião de trabalho que tinha como objetivo questionar meu jeito de
ser. Pois é. Diante da impossibilidade de apontar falhas no meu trabalho, que
sempre foi feito com muito rigor, levantaram uma falha no meu comportamento.
Qual falha? Tenho até vergonha de repetir isso, mas já que eu comecei vou
terminar: eu não estava mandando BEIJOS no fim dos meus e-mails. Sim, não
precisa voltar ao início do parágrafo. Você não leu errado. Não estou falando
de namorado/amiga/mãe. Estou falando de pessoas com as quais eu me relacionava
estritamente no campo profissional e me achavam antipática porque eu não mandava
"beijos". Mas é claro que não! Meus beijos são muito caros para eu
gastar com qualquer um. E, ora essa, eu sei me comportar. Um
"atenciosamente" encerra um e-mail de trabalho muito bem e obrigada.
Naquela ocasião eu senti uma indignação tão grande que tive
vontade de chegar lá no outro dia com uma comitiva. Queria levar meia dúzia de
amigos pra dizer o quanto eu sou divertida e capaz de fazê-los rir. Queria
levar minha mãe pra dizer que nunca fiz uma mal-criação. Queria levar o Dudu,
meu primo de seis anos, pra dizer que eu sou a adulta preferida dele. E a Maria
também, para contar das historinhas que a gente inventa juntas. Mas foi uma
vontade passageira, porque então me toquei de uma coisa. Eu não precisava
provar para ninguém que eu podia ser doce e meiga. Quem precisava saber disso,
já sabia. Aquelas pessoas só precisavam saber que eu era responsável,
comprometida e muito séria na minha vida profissional. Eu não iria vestir a
fantasia da palhacinha amorosa no trabalho.
Forçar um comportamento é uma conveniência que não é para
mim. Acho que quem gosta de se fantasiar deveria aproveitar que o carnaval está
aí para se esbaldar. Mas na quarta-feira de cinzas, é mais elegante deixar a
fantasia de lado. Porque, veja o óbvio, uma máscara pode até esconder quem você
é de verdade. Mas todo mundo está vendo que você está de máscara. E isso é
ridículo.
Beijos.
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