A TROCA >> Whisner Fraga

Meu pai foi me buscar no Polivalente naquele dia. Talvez tivesse saído mais cedo do trabalho e precisasse espairecer, não sei. É que ele não tinha esse hábito de me pegar na saída da aula, por isso que estranhei. Então, ele estacionou o Fusca em frente à escola e desceu e ficou perto do portão principal. Quando cheguei à calçada, ele disse “oi” e apontou para o carro. Seguimos, calados. Aí tentou encaixar a chave na fechadura da porta e não conseguiu. Examinou o objeto em sua mão, estava tudo certo. Tentou novamente. Nada. Percebi que ele começava a suar. “Pronto, hoje é meu dia”, ele falou, um pouco decepcionado, quase nervoso. Achei que devia continuar em silêncio. Aí eu olhei para baixo, depois para a esquerda. Quando me virei para o lado, então, eu vi outro Fusca. Branco, como o nosso. Tinha um farol parecido, o mesmo para-choque, as mesmas calotas. Comecei a rir. Acho que no fundo isso irritou um pouco meu pai, mas ele tentou ficar calmo e me perguntou, ríspido: “O que foi?” Eu apontei o outro veículo. Então rimos juntos. Aquilo fez com que a manhã dele melhorasse e a minha também.

Há poucos dias me aconteceu algo parecido aqui. Minha esposa estava dirigindo e eu ia no banco de trás, com Helena. Estacionamos em uma farmácia e Ana desceu. À direita tinha um carro parado, igualzinho ao nosso. Não dei bola, continuei brincando com Helena. Nem prestava atenção ao que acontecia lá fora. Nosso carro estava aberto, com os vidros levantados, mas Ana não o trancara. Ouvi um barulho de alarme sendo desligado, mas continuei quieto. De repente, uma mulher entra no carro e coloca a mão esquerda no volante. Com a direita tenta inserir a chave na ignição. A gente tem de pensar muito rápido. A primeira coisa que fiz foi ter certeza que não era a Ana. Pronto, aquele cabelo certamente não era dela. Aquela roupa, os braços, nada.

Calmamente, toquei os ombros da mulher e a adverti: “Oi, moça, acho que você entrou no carro errado.” Ela entrou em pânico, soltou um grito que assustou Helena, que começou a chorar. Ela deve ter pensado que tinha um assaltante no banco traseiro do seu Gol. Um assaltante com uma criança? Sei lá, acho que as pessoas não conseguem raciocinar direito quando estão assustadas. Fiquei na minha, esperando ela se acalmar. Achei que nada do que argumentasse a ajudaria. Ela foi se recuperando, um tanto embaraçada.

Comecei a rir e ela foi se desculpando, que estava envergonhada, que aquilo nunca tinha acontecido com ela, que ela não sabia onde enfiar a cara, que o nosso carro era igualzinho ao dela e assim por diante. E foi saindo do banco do motorista, ainda se explicando. Chegou até o Gol dela, que já havia aberto com o controle remoto do alarme que eu ouvira mais cedo sendo desligado. Ficou lá, sentada, talvez se recuperando do susto. Então Ana chega com as compras e toma o seu lugar no assento da frente. Conto a história para ela, quase sem fôlego, em meio a gargalhadas. Rimos tanto que Helena se assustou novamente e de novo começou a chorar. Duas esquinas depois e já dormia, tranquila, um anjo. Depois dessa, chegamos à conclusão que é melhor trancarmos sempre o carro, mesmo com alguém dentro dele.

Comentários

É, Whisner, parece que tudo acontece mesmo em dobro nessa vida. :) Como diz uma amiga, "as coincidências são as rimas do poema da vida".
albir disse…
Que interessante, Whisner. A "assaltante" deve estar abalada até agora.

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