CADÊ MINHA VERSÃO DO STEVE? >> Carla Dias
Considero o meu livro “Os estranhos” o primeiro romance que escrevi. Antes dele, minha relação com a prosa era mais para os contos. Anos antes, ainda quando não sabia muito bem o que era o que no meio literário – o que ainda não sei direito - escrevi dois textos que acreditava serem romances. Porém, eles se mostraram, anos adiante e um pouco mais de experiência, apenas longos contos.
Um deles eu guardei para trabalhar na ideia e transformá-lo mesmo em um romance, porque há muito a ser desenvolvido ali. O texto original, escrito quando eu tinha vinte e pouquinhos anos, é um amontoado de possibilidades truncadas, porém, eu gosto dos personagens, do contador tacanho e do poeta que não está nem aí com ninguém, a não ser consigo mesmo. Aprecio a relação que eles criam, sem querer. Sendo assim, ele continua lá, até eu transformá-lo no que desejei há alguns anos, mas não sabia como fazer isso acontecer.
O outro, o primeiro que escrevi, bom, este é o tema dessa crônica.
Meu feriado prolongado em nada teve a ver com o carnaval. Acordei no sábado e decidi fazer aquela limpeza geral nos papéis amontoados, para colocar em ordem a vida em A4, recibos de contas, cartões – de natal, aniversário, e por aí vai... -, convites – de casamento, aniversário e por aí vai... -, cartas e bilhetes de amigos e familiares, os desenhos dos sobrinhos, e por aí vai.
Porém, a grande questão era encontrar o original datilografado desse primeiro pseudo-romance que escrevi, porque me bateu uma curiosidade ferrenha de observar a mim naquele momento. Na época em que comecei a escrevê-lo, nos anos oitenta - nunca pensei que doeria tanto dizer “nos anos oitenta” -, aproveitava a máquina de datilografar do meu tio, para quem eu trabalhava na época. Bastava um tempinho de folga, e lá estava eu inventando história.
História que comecei a inventar porque tinha um amontoado de dúvidas na cachola e um monte de novidades para experimentar. Estava estudando música, conheci os primeiros artistas da minha vida, embrenhei-me nesse universo criativo. Mas quando entrei para uma banda de rock e comecei a tocar em vários lugares, encontrei pessoas tão malucas – e a maioria delas era fascinante -, tão diferentes das pessoas do meu meio, que só me restou colocar o questionamento no papel, já que me expressar verbalmente, naquela época, era a coisa mais improvável.
Minha paixão pela música veio com outro tipo de paixão. Comecei a escrever este livro, do qual esqueci o título (como pude?!), porque estava completamente fascinada pelo Steve Howe, o guitarrista do Yes. Adorava a música da banda, mas adorava ainda mais o músico, pelo seu talento e a forma como se comportava no palco. E, claro, pelas longas madeixas.
Lembro-me de ter copiado uma foto dele, em sulfite, da revista Circus, que peguei emprestada de um amigo músico, porque, na época, revista importada não era fácil de conseguir. Essa cópia tosca de tudo, feita com técnica zero, era a capa do livro.
Obviamente, o personagem do livro é um guitarrista, e não posso nem contar a vocês a trama, porque devo estar com a lâmina do esquecimento afiadíssima. Lembro-me apenas de que ele era um guitarrista meio atormentado, com um quê de poeta existencialista, que andava com um grupo de artistas independentes que queriam viver da sua arte.
Então, que procurei, coloquei a casa abaixo, porque me bateu essa curiosidade imensa de saber o que escrevi naquele livro, que não leio desde 1988, quando o finalizei. Porque o livro é mais um jornal sobre o que eu vinha descobrindo no cenário musical, da música – boa e ruim – às pessoas – boas e ruins. Lembro-me de tê-lo guardado separado dos meus outros textos, justamente porque sabia que era menos literatura e mais uma reflexão sobre a ebulição emocional pela qual eu passava.
Não o encontrei, não faço ideia de onde o coloquei, ou se um dia o encontrarei. Ainda bem que, apesar da minha frustração, o Steve Howe continua tocando.
IN THE PRESENCE OF - YES
Steve Howe não tem trabalhos somente com o Yes. Sua discografia é bem rica. Confira:stevehowe.com.
Comentários
Que saudade de ler essa leveza que você tem de dançar com as palavras.
E o livro vai aparecer, sim. Está onde você menos espera e surgirá quando você menos esperar ainda. :)
Beijos
Marisa... Espero que sim. Porque bateu essa curiosidade maluca, e me lembro quase nada dele. Queria revisitar o momento em que descobri o universo da música e algumas das mazelas de ser humano.
Zoraya... Vou esperar um pouco, caçar novamente. Mas a ideia de escrever um romance em que a música seja personagem – música nos meus livros sempre tem -, e um músico o seu lar, é algo que sei que terei de fazer, seja reescrevendo esse livro desaparecido ou começando uma nova história.
Albir... A coisa mais maluca é que minha casa é pequena e eu sei que o livro está lá, mas não acho. Já arrastei móveis, revirei gavetas, e nada. Mas ele está lá, escondido de mim.