VESTIDO DE NOIVA [Carla Cintia Conteiro]

“Estou realizando meu sonho”, ela me disse com um daqueles sorrisos que rasgam a cara das criaturas felizes de orelha a orelha, enquanto me entregava o convite. E completou: “Você sabe, né? O sonho de toda mulher é casar na igreja, de véu e grinalda...”. Fiquei olhando para ela com ar estupefato. Não queria jogar água naquela alegria toda, mas ou ela estava redondamente enganada ou eu não era uma mulher. E estava perfeitamente segura então, como ainda agora, de que sou uma filha de Eva.

Verdade que eu conheço alguns casos de mulheres que cometem as insanidades mais absurdas para fisgar um marido e seguir o roteiro que culmina com o desfile diante de todos os familiares e das amigas “invejosas” rumo ao altar. É fato também que algumas pessoas se apaixonam tanto pelos preparativos para a cerimônia que não apenas relegam o pobre do noivo ao papel de coadjuvante, mas, cumprido todo o ritual, elas se surpreendem com um homem ao seu lado e não sabem o que fazer com aquela companhia sobre a qual não haviam pensado. Sim, já vi casamentos terminarem na lua-de-mel por conta disso.

Olhava para a minha amiga, feliz com a felicidade dela, mas incapaz de exercer a empatia com seu sentimento de grande vitória e conquista. Àquela altura, já na segunda união, eu jamais cogitara algo além de cartório e um brinde simples com as pessoas mais chegadas na sala de casa mesmo.

Talvez fosse coisa de família. Nenhuma das minhas duas irmãs jamais entrou paramentada em igreja. Minha mãe, numa época em que as alternativas para uma moça decente eram poucas, até vestiu branco e flor de laranjeira, mas também numa produção de baixíssimo orçamento, apenas para os mais íntimos. Preferiu usar a verba para incrementar a vida nova. Não termos uma religião definida pode ser também um fator determinante para esse desapego com os cerimoniais litúrgicos.

Outro dia, olhando um álbum de família, me deparei com uma foto onde eu aparecia numa festa junina vestida de noivinha. Será que foi por isso que eu desencanei do “grande sonho feminino”? Aos oito anos, eu já tinha experimentado a sensação, mesmo que num faz-de-conta.

Fiquei lembrando daquela situação numa escola pública, numa cidade estranha. Minha timidez infantil em ambiente escolar se transformou praticamente em mutismo e isolamento. Fui escolhida para ser a noiva por minhas boas notas, por ser alta e fazer um bom contraste com um noivo bem baixinho e para alavancar minha vida social escolar. Funcionou até certo ponto. As meninas realmente vieram puxar conversa comigo e mineiramente perguntavam: “Seu pai mexe com o quê?”. Mas não ficaram lá muito satisfeitas quando descobriram que a única negra da turma era também a única filha de doutor.

É, nunca fui boa em me encaixar em modelos, em padrões, no que as pessoas deduzem a meu respeito à primeira ou mesmo segunda vista. Sinto muito por aqueles que precisam de seus escaninhos mentais para classificar as pessoas. Lamento por aqueles que pautam o mundo pelos seus gostos. Tenho más notícias para eles.

Comentários

Também sou da turma difícil de encaixar em modelos, Carla Cíntia. :) Mas a vida aos pouquinhos vem ficando mais fácil pra nossa turma. :)
Heloisa disse…
CC, aos poucos, muitos aos poucos , as coisas mudam...adorei a crônica!
albir disse…
Agora fica mais fácil, já que o que era excessão se aproxima numericamente do que era regra.
Carla Dias disse…
Ah, eu compreendo muito bem essa sua posição a respeito das coisas da vida. Eu sei que aprendemos com o tempo que passa e o monte de acontecimentos catárticos que chegam junto. Uma bela crônica sobre a beleza de ser.

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