POMPA E CIRCUNSTÂNCIA
>> Albir José Inácio da Silva
A morte da Chita permitiu que Augusto trouxesse para o bar seu assunto predileto. No primeiro dia do ano, os amigos interromperam planos e promessas de vida melhor para pacientemente ouvir sobre a grandiosidade da morte.
Vinha empolgado. Lembrou aventuras e perigos da macaca que enfrentou feras e caçadores nas selvas africanas para depois morrer placidamente e figurar nos jornais de todo o mundo. Não foi uma morte espetacular, como convinha a uma vida gloriosa, mas teve repercussão.
– Morte é morte... – comentou desdenhoso e íntimo o garçom – nenhuma é boa e qualquer uma serve.
O comentário insolente destemperou Augusto.
– Qualquer morte serve pra você. Não vou passar a vida inteira sob grandes ameaças para ter uma mortezinha doméstica, com três ou quatro lágrimas e meia dúzia de flores.
Augusto era um amigo de muitos anos, megalomaníaco, simples e gentil. Simples no viver, gentil com as pessoas e megalomaníaco com a morte. Se era para morrer, que fosse uma morte grandiosa, principalmente se a vida não tinha sido grande coisa. Falava empolgado sobre as mortes que assombraram sua geração.
Na infância era o fim do mundo em consequência dos pecados. Morte dolorosa, mas espetacular, descrita no Apocalipse. A guerra fria trouxe a sensação de uma hecatombe iminente em que se pudesse morrer com pompa e circunstância. Primeiro o medo dos comunistas que, cansados de comer criancinhas, explodiriam o mundo. Depois, medo dos americanos que, precisando combatê-los, mantinham seus dedos ao alcance do botão atômico. No onze de setembro, Augusto acreditou que Saddam ou Bin Laden poderiam dar à humanidade uma morte em forma de epopéia.
As previsões de fim do mundo sucederam-se, remarcaram-se e a vidinha continuava na Terra. Russos e americanos se abraçaram no espaço, comemorando a empresa comum, sem vontade nenhuma de promover um grand finale. Saddam e Bin Laden se foram, de forma espetacular, mas sem grandes sustos ou mudanças na história.
Durante algum tempo Augusto manteve esperança na destruição da camada de ozônio e aquecimento global. Mas descobriu que ainda demora, e enquanto isso ele tinha de conviver com a possibilidade de uma morte medíocre: velhice ou outro meio degradante.
– Mas Augusto, sua vida não tem nada de muito grandioso. Você precisa se acostumar com a idéia de uma morte comum.
– Sei disso. Não tive a vida que merecia. Injustiça. Não posso mudar minha vida, mas posso melhorar a morte.
Augusto abriu uma pasta e apresentou seus planos: jazigo em mármore, aço escovado e vidro temperado. Manutenção com troca de lâmpadas e flores. Anúncio fúnebre de meia página nos principais jornais. Orquestra e dupla de repentistas. Termo de compromisso, a ser assinado pelos amigos, de que o seu nome seria proposto para alguma praça ou rua do bairro.
– E quanto vai custar tudo isso, Augusto?
– Vou pagar em doze anos, mas as obras começam já este mês.
Augusto ainda pediu aos amigos que velassem pelo cumprimento de sua vontade. Tinha sérios motivos para desconfiar que a felicidade ia fazer Creusa esquecer detalhes.
– Fique tranqüilo Augusto. Seu enterro não vai dever nada a Ramsés – provocou de novo o garçom.
Perguntei se ele não teria melhor utilidade para aquele dinheiro em vida, e Augusto pareceu pensar. Já lhe ocorrera visitar cemitérios famosos pelo mundo afora. Mas de que adiantaria? Não seria enterrado neles!
– A morte não admite romantismos – sentenciou –, é preciso ser prático ou acaba-se numa vala comum.
Vinha empolgado. Lembrou aventuras e perigos da macaca que enfrentou feras e caçadores nas selvas africanas para depois morrer placidamente e figurar nos jornais de todo o mundo. Não foi uma morte espetacular, como convinha a uma vida gloriosa, mas teve repercussão.
– Morte é morte... – comentou desdenhoso e íntimo o garçom – nenhuma é boa e qualquer uma serve.
O comentário insolente destemperou Augusto.
– Qualquer morte serve pra você. Não vou passar a vida inteira sob grandes ameaças para ter uma mortezinha doméstica, com três ou quatro lágrimas e meia dúzia de flores.
Augusto era um amigo de muitos anos, megalomaníaco, simples e gentil. Simples no viver, gentil com as pessoas e megalomaníaco com a morte. Se era para morrer, que fosse uma morte grandiosa, principalmente se a vida não tinha sido grande coisa. Falava empolgado sobre as mortes que assombraram sua geração.
Na infância era o fim do mundo em consequência dos pecados. Morte dolorosa, mas espetacular, descrita no Apocalipse. A guerra fria trouxe a sensação de uma hecatombe iminente em que se pudesse morrer com pompa e circunstância. Primeiro o medo dos comunistas que, cansados de comer criancinhas, explodiriam o mundo. Depois, medo dos americanos que, precisando combatê-los, mantinham seus dedos ao alcance do botão atômico. No onze de setembro, Augusto acreditou que Saddam ou Bin Laden poderiam dar à humanidade uma morte em forma de epopéia.
As previsões de fim do mundo sucederam-se, remarcaram-se e a vidinha continuava na Terra. Russos e americanos se abraçaram no espaço, comemorando a empresa comum, sem vontade nenhuma de promover um grand finale. Saddam e Bin Laden se foram, de forma espetacular, mas sem grandes sustos ou mudanças na história.
Durante algum tempo Augusto manteve esperança na destruição da camada de ozônio e aquecimento global. Mas descobriu que ainda demora, e enquanto isso ele tinha de conviver com a possibilidade de uma morte medíocre: velhice ou outro meio degradante.
– Mas Augusto, sua vida não tem nada de muito grandioso. Você precisa se acostumar com a idéia de uma morte comum.
– Sei disso. Não tive a vida que merecia. Injustiça. Não posso mudar minha vida, mas posso melhorar a morte.
Augusto abriu uma pasta e apresentou seus planos: jazigo em mármore, aço escovado e vidro temperado. Manutenção com troca de lâmpadas e flores. Anúncio fúnebre de meia página nos principais jornais. Orquestra e dupla de repentistas. Termo de compromisso, a ser assinado pelos amigos, de que o seu nome seria proposto para alguma praça ou rua do bairro.
– E quanto vai custar tudo isso, Augusto?
– Vou pagar em doze anos, mas as obras começam já este mês.
Augusto ainda pediu aos amigos que velassem pelo cumprimento de sua vontade. Tinha sérios motivos para desconfiar que a felicidade ia fazer Creusa esquecer detalhes.
– Fique tranqüilo Augusto. Seu enterro não vai dever nada a Ramsés – provocou de novo o garçom.
Perguntei se ele não teria melhor utilidade para aquele dinheiro em vida, e Augusto pareceu pensar. Já lhe ocorrera visitar cemitérios famosos pelo mundo afora. Mas de que adiantaria? Não seria enterrado neles!
– A morte não admite romantismos – sentenciou –, é preciso ser prático ou acaba-se numa vala comum.
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