O QUE CABE NA SUA MALA?
>> Maria Rachel Oliveira

Férias, férias. Janeiro sempre – ou quase sempre – é época de meter o pé na estrada. Fazer aquela tão sonhada viagem que você vem planejando desde o ano passado, caçar uma promoção da Gol e voltar a terra natal pra visitar os parentes. Aproveitar o período de recesso escolar das crianças e alugar uma casa em alguma praia limpa e deixá-las se esbaldando na areia enquanto você tá na sombra e na cerveja fresca.

Aonde você vai é, na verdade, o que menos importa. O que é viajar pra você? Já se perguntou isso? Eu tenho algumas teorias. Viajar é poder sair de si mesmo. É não arrumar a cama todo dia daquele mesmo jeito, com três travesseiros. É não ter preguiça de acordar porque é certo, como dois e dois são quatro, que o dia trará muitas coisas inesperadas. Mesmo que a sua rotina seja boa; é rotina. E afastá-la é bastante saudável vez ou outra.

Em Paris aprendi a emoção de enxergar um letreiro de farmácia. Não tinha um dia que meus pés não sonhassem com band-aids no final da tarde – e nem sempre eu lembrava de colocá-los na bolsa ao sair de manhã do hotel. Uma vez, indo pra Buenos Aires, me empolguei no FreeShop e tive a experiência de ouvir meu nome comuníssimo (Maria Oliveira) ser chamado no auto-falante e não me reconhecer. Terminei resgatada por um funcionário da companhia aérea e tive que sair correndo feito uma louca pelo túnel. No prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque, vivenciei o sentimento mais esquisito da minha vida ao me deparar com um sino, acho que de bronze, que foi trazido de Hiroshima.

Viagens menos glamourosas – a maioria das minhas até hoje, aliás – também mudaram bastante o meu ponto de vista sobre muitas coisas. Já tive que passar a noite numa calçada, em Cabo Frio, porque perdemos a chave da casa que havíamos alugado num verão e o caseiro do condomínio tinha saído e ninguém imaginava onde encontrá-lo (e nem a chave reserva, consequentemente). Nunca vou esquecer o papo-cabeça que rolou madrugada adentro nem o mais lindo nascer do sol que já pude presenciar depois de uma senhora caminhada até a praia. Éramos dez. E estávamos todos exaustos e cheios dos sonhos de adolescência uns dos outros naquele nascente, que parecia conter todas as possibilidades.

Reuni histórias das mais triviais às mais esdrúxulas nessas idas e vindas em que já me meti. Não me arrependo de nenhuma delas. Aprendi muito sobre improviso, imprevisto, jogo de cintura, mapas, banho de chuva, passar frio, passar fome, mosquito, mímica, pneu de carro e até relacionamento interpessoal. Viajando você sempre descobre habilidades e gostos desconhecidos. É obrigado a conhecer coisas e gentes novas. Ou quase – há também a possibilidade de você escolher ir com mais um casal amigo pra uma toca no meio do mato. Nesse caso a interação com a fauna ou com o encanamento do lugar é que costumam garantir a novidade.

Viagens trazem com elas risadas garantidas. Micos dignos de nota. E perrengues vividos enquanto imbuídos do espírito aventureiro e curioso do viajante viram divertidas memórias no final das contas. Talvez porque estejamos livres de toda essa bagagem cotidiana, dos nossos condicionamentos, dos nossos vícios e manias, e não caibam as ruminações e a preguiça no pequeno espaço que sobrou na mala.

Eu já estou arrumando a minha pro próximo destino. E você? Vai pra onde? Já decidiu? E qual predisposição levará na sua bagagem?

Comentários

Rachel, essa sua crônica me deu uma vontade de viajar... do escritório para a cozinha, depois para o quarto, fazer uma completa volta não ao mundo, mas à minha casa. :) Depois de tanto viajar em 2011, começo a me coçar só de ouvir ou ler a palavra "viagem". :)
Juliana disse…
Muito legal! Viajar e isso mesmo. Adorei.
albir disse…
Eu já peguei carona na sua crônica. Me avisa quando chegarmos.
Beijo, Rachel.

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