CINCO ANOS >> Kika Coutinho

Semana passada, chegamos aos cinco anos de casados. Cinco anos. Meia década. Ridículo, né? Acho meio ridículo se gabar por cinco anos, até porque passaram em um segundo.

Um segundo. Pisquei os olhos, tomei um banho, jantamos juntos, errei uma receita, pari uma menina, engravidei de outra e pá, cinco anos.

Foi tão depressa. Foi o tempo de esquecer de levar a toalha pro banheiro. E, como toda noite, gritei por você: “Amoooooor, traz a toalha pra mim? Esqueci...”. Ainda ouvi você se levantando da cama, abrindo o armário, pegando a toalha — eu torci para que fosse a branca mas não pedi — e quando você chegou com a toalha bege no banheiro e pendurou no box, de repente, pronto. Foram cinco anos.

Cinco anos esquecendo a toalha, cinco anos deixando a louça suja pra você, cinco anos coçando as suas costas, cinco anos te vendo escovar os dentes, de manhã e à noite, no mínimo. Cinco anos e você ainda traz aquele pão com semente que eu detesto. Cinco anos e você não foi na dermatologista. Cinco anos e me acostumei a dormir com a TV ligada. Também cinco anos pedindo: “Desliga vai? Vamos dormir, desliga...” e, por cinco anos, você repetindo: “Já vou desligar”. A verdade é que me acostumei. Mas continuo pedindo, pra manter a rotina. Ah, a rotina... Aquela velha vilã, mas tão cômoda, como um sofá fundo e confortável, do qual dá uma preguiça de sair, ainda que a vida acene de longe para a gente...

Cinco anos da nossa rotina. Cinco anos de domingos com café da manhã na padaria, jornal espalhado no sofá, o silêncio da manhã enquanto você folheia a Veja e eu a Vejinha, cinco anos que a gente reclama do Faustão, assiste Fantástico, cochila no sofá, e briga pela janela que você quer manter aberta... “Tá frio, Baby. Fecha...”. E você fecha por alguns minutos quando, antes de começar a enxugar o suor, abre de novo, fingindo que esquentou. Cinco anos de absoluta incompatibilidade térmica. Eu sempre com frio e você sempre suando. Cinco anos que você liga esse maldito ar-condicionado no carro e só desliga quando eu bato novo recorde na crise de espirros. “Já dá pra chamar o Guinness?”, pergunto, irritada, enquanto você desliga e comenta do trânsito, tentando disfarçar.

Cinco anos que você arruma as minhas bagunças, traz leite nas insônias e me empurra pra fora da cama durante a noite. Cinco anos que eu te peço pra virar pro outro lado, cinco anos que eu te dou aquela cutucadinha quando você ronca.

Cinco anos que eu roubo seu cobertor. Cinco anos que eu juro que não roubo, mas, agora, admito, roubo mesmo. Há cinco anos.

E, Amor, prepare-se. Não tenho planos de me corrigir, nem de morrer, nem de sair desse velho sofá, fundo e macio, que é a nossa doce rotina. O cobertor é meu, e fim de papo.

Comentários

Kika, ao ver o título e a primeira frase, me lembrei daquele velho conto do Drummond. Mas depois você me fez esquecer, com sua prosa maravilhosa. Que você prolongue o contrato de casamento e continue nos contando sua doce rotina. :)
Ana Coutinho disse…
Eduardo, verdade, e eu que nem lembrava desse conto...
Obrigada por me trazê-lo e pelos bons desejos. Amém para eles!
beijos.
Valha-me... Cinco anos!? Parece mesmo que foi ontem... E quanta coisa já aconteceu, não? Quanta alegria e beleza... Que venham mais cinco anos vezes vinte! :)

Super beijo.
Unknown disse…
Parabéns, Kika!!! Não é ridículo, não. É raro nesses tempos doidos que vivemos. Beijos!
eduardo.kiwi disse…
nossa, parabens, muito bom, todo dia entro nesse blog, porém poucas vezes comento, só quando vale realmente apena...

gostei muito também da cronica da fernanda que falava sobre amizade...
Ana Coutinho disse…
Dé, e você faz parte de ssa história, de certa forma. Não dá nem pra acreditar né?
Fê, obrigada!
Eduardo, entre mais vezes então, os textos da Fernanda sempre valem mesmo a pena!
Beijos!

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