SEMPRE O TEMPO >> Eduardo Loureiro Jr.

Às vezes, sinto o tempo das coisas...

"Não gosto de fazer perguntas, só quando não tem jeito. É que as pessoas ou falam o que querem ou não adianta que falem. O que a gente tem dentro da gente eu sinto que é como frutas... se saem no ponto certo, estão maduras, gostosas... se saem antes disso, estão verdes, são ácidas, fazem mal... se passam do tempo, apodrecem, ninguém quer. Só o que me falam querendo e na hora certa é que eu dou valor, e só assim que eu acredito nelas".  (Coiote, Roberto Freire)

Às vezes, eu sinto o tempo de escovar os dentes, de tomar um banho. Não como uma atividade que se deva fazer e que tenha hora certa, mas como um momento que vem se aproximando, chega, e depois se vai. Outras vezes, deixo-me levar pelo automatismo, pela pressa, pelas obrigações.

O tempo que sinto agora é de silêncio, música e um bom livro. Quando determinado tempo vem chegando, ele nos traz recordações de outros tempos similares. Por isso me lembrei de Coiote, e do quarto de minha Tia Monca, onde o folheei pela primeira vez, e do cheiro perfumado, do livro e do quarto, e do peso do livro nas mãos, quase incômodo, e do silêncio da leitura. Não havia música, mas sempre há música. Sempre houve fones de ouvido, invisíveis, que me possibilitavam ouvir o que ninguém mais estava ouvindo.

É o tempo que sinto que vem vindo que me faz lembrar também de Questo Amore, de Roberto Cotroneo. Deste, ainda tenho o exemplar e posso levantar da cadeira, como estou fazendo agora, pegá-lo na estante, como fiz agora, e,

...

numa das páginas que têm as pontas do papel dobradas, encontrar estas palavras: "Ora voleva qualcosa che non sapeva neppure lui spiegare". Pode o leitor ouvir o som dessas palavras mesmo que não lhes entenda completamente o sentido? "Agora queria algo que não sabia ele mesmo explicar".

É assim a chegada do tempo: vem como um desejo que não se explica. Por isso, o silêncio: para ouvir os calmos passos do tempo se aproximando. Por isso, a música: para que o silêncio faça sentido. Por isso, o livro: para que se tateie o que se aproxima.

Sim, eu sei que "nem tudo é como a gente quer" e talvez eu tenha que aprender a sentir o tempo das coisas obrigatórias. Sentir o tempo do sinal vermelho, e não apenas tolerá-lo. Comer a fruta rubra e madura do sinal vermelho. Sim, é mesmo muito provável que eu tenha que aprender essas coisas.

Mas agora... calma.

Silêncio, por favor.

Conseguem ouvir a música?

Eu sou o primeiro leitor do livro que está se escrevendo.


Comentários

Eduardo,
"talvez eu tenha que aprender a sentir o tempo das coisas obrigatórias."
Isso veio no tempo perfeito que eu preciso para entender e enfrentar algo que tenho pela frente daqui uns dias. O difícil é amadurecer esse fruto. Obrigada. :)
Boa sorte no desafio que tem pela frente, Marisa.
albir disse…
Sim, estou ouvindo a música, Edu. Continue regendo.
Bom ouvido esse seu, Albir.
Valha-me, Eduardo... Faço silêncio. E, sim, ouço a música - linda, calma e baixinha, quase um sussurro...
Beijo pra vc.
Mônica disse…
Eeeei! Então é por aqui que vc anda! Olha que coisa incrível: depois de mais de 10 anos, numa mega-faxina pré-mudança, encontrei cartas que costumávamos trocar nos idos de 1997... Daí me vieram lembranças agarradas em saudades, que por sua vez despertaram a maior das curiosidades: por onde andará É do ar do pátio interno?... E assim, fácil fácil, pelo milagre da internet eis em seu blog.
Bom te ver, menino. Saudades.

Mônica (dicas: amiga da Franci e do Wendell, lá das bandas de uma remota cidade do norte do país chamada Castanhal. Lembras-te?)
Grande beijo.
Até
Você tem um bom ouvido, Debora. :)

Eita que surpresa boa, Mônica! Bom demais saber notícias suas. Agora descobre aí meu e-mail e me escreve contando as novidades. :)

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