AVE OBAMA! >> Albir José Inácio da Silva
Naldinho tem sete anos e uma lógica simples: gosta ou não gosta. E isso acontece ao sabor das contingências e das orientações familiares. Primeiro gostava de uma facção que pagava enterros e comprava remédios, e não gostava de outra que vivia ameaçando invadir e de vez em quando matava alguém. Também odiava a polícia que entrava na favela atirando e esculachava todo mundo.
Um dia houve muito tiro e muito defunto, e os símbolos e inscrições da comunidade foram trocados. Ele ouviu que enfim aqueles foram expulsos porque estes são melhores e já prometeram luz de graça e tevê a cabo a preços módicos. Imediata e solidariamente o garoto começou a gostar dos novos donos do morro, e a detestar os antigos e, claro, a polícia.
Politicamente, Naldinho acompanha o coletivo dos moradores. Já foi Lula doente e fez desenhos barbudos tão bons que foram escolhidos para enfeitar a parede da escola. Num domingo virou Serra, durante a visita do candidato com promessas de aumentos de salários, de igrejas, de escolas e de hospitais iguais aos de São Paulo - que ele não sabia onde era mas que devia ser muito bom porque era um lugar famoso. Só não chegou a desenhar carecas porque a professora, politicamente mais cautelosa, resolveu esperar pela Dilma que viria no sábado seguinte. Como o amor por Dilma é compatível com o amor por Lula, Serra não chegou a merecer homenagens de hidrocor e lápis-cera.
Milagre da engenharia sócio-político-administrativa, no mês passado, após algumas escaramuças, sem perder balas em inocentes, matando apenas alguns supostos traficantes, foi instalada uma UPP na Comunidade. A Unidade de Polícia Pacificadora é a nova paixão do menino, que faz desenhos de policiais com crianças no colo, jogando bola com elas, dividindo refrigerantes. E os policiais não entram mais atirando, não chutam mais portas de barracos, não esculacham mais moradores. Agora carregam no colo pessoas que torceram o pé, vão a festas de aniversário, e distribuem conselhos para os meninos. As autoridades de segurança esclarecem que estes não tiveram tempo de se contaminar na corporação, vieram diretamente do concurso e do curso de formação para as Unidades. Ah, bom!
Com a visita de Obama, Naldinho está meio atarantado. Olha para os adultos, tentando saber se deve ou não gostar dele. O pai, segurando no garfo um pé de porco, fala da importância de um presidente negro “naquele país cheio de louros. O mundo está mudando... e pra melhor”. A mãe, mais prática e sempre às voltas com falta de dinheiro, diz que o marido devia ir à Cidade de Deus durante a visita:
- Você podia pedir um emprego, já que ele é preto que nem nós.
A tia, que não gosta de ianques, invoca a soberania nacional:
- Obama não pode arranjar empregos no Brasil.
O tio, que não gosta de brasileiros, replica em tom professoral:
- E tu não sabe que quem manda nos Estados Unidos, manda no Brasil?
A tia se cala porque não entende mesmo de política internacional.
Naldinho ainda não sabe se gosta de Obama. Mas, como amanhã é dia de aula, acha melhor ir treinando no caderno. Afinal, ele não está acostumado a homenagear carapinhas. O último negro que desenhou foi Michael Jackson, que tinha longas madeixas.
Um dia houve muito tiro e muito defunto, e os símbolos e inscrições da comunidade foram trocados. Ele ouviu que enfim aqueles foram expulsos porque estes são melhores e já prometeram luz de graça e tevê a cabo a preços módicos. Imediata e solidariamente o garoto começou a gostar dos novos donos do morro, e a detestar os antigos e, claro, a polícia.
Politicamente, Naldinho acompanha o coletivo dos moradores. Já foi Lula doente e fez desenhos barbudos tão bons que foram escolhidos para enfeitar a parede da escola. Num domingo virou Serra, durante a visita do candidato com promessas de aumentos de salários, de igrejas, de escolas e de hospitais iguais aos de São Paulo - que ele não sabia onde era mas que devia ser muito bom porque era um lugar famoso. Só não chegou a desenhar carecas porque a professora, politicamente mais cautelosa, resolveu esperar pela Dilma que viria no sábado seguinte. Como o amor por Dilma é compatível com o amor por Lula, Serra não chegou a merecer homenagens de hidrocor e lápis-cera.
Milagre da engenharia sócio-político-administrativa, no mês passado, após algumas escaramuças, sem perder balas em inocentes, matando apenas alguns supostos traficantes, foi instalada uma UPP na Comunidade. A Unidade de Polícia Pacificadora é a nova paixão do menino, que faz desenhos de policiais com crianças no colo, jogando bola com elas, dividindo refrigerantes. E os policiais não entram mais atirando, não chutam mais portas de barracos, não esculacham mais moradores. Agora carregam no colo pessoas que torceram o pé, vão a festas de aniversário, e distribuem conselhos para os meninos. As autoridades de segurança esclarecem que estes não tiveram tempo de se contaminar na corporação, vieram diretamente do concurso e do curso de formação para as Unidades. Ah, bom!
Com a visita de Obama, Naldinho está meio atarantado. Olha para os adultos, tentando saber se deve ou não gostar dele. O pai, segurando no garfo um pé de porco, fala da importância de um presidente negro “naquele país cheio de louros. O mundo está mudando... e pra melhor”. A mãe, mais prática e sempre às voltas com falta de dinheiro, diz que o marido devia ir à Cidade de Deus durante a visita:
- Você podia pedir um emprego, já que ele é preto que nem nós.
A tia, que não gosta de ianques, invoca a soberania nacional:
- Obama não pode arranjar empregos no Brasil.
O tio, que não gosta de brasileiros, replica em tom professoral:
- E tu não sabe que quem manda nos Estados Unidos, manda no Brasil?
A tia se cala porque não entende mesmo de política internacional.
Naldinho ainda não sabe se gosta de Obama. Mas, como amanhã é dia de aula, acha melhor ir treinando no caderno. Afinal, ele não está acostumado a homenagear carapinhas. O último negro que desenhou foi Michael Jackson, que tinha longas madeixas.
Comentários
Foi de arrasar!
adoro essas classificações eduardianas.
Louro,
Obrigado por seu comentário e volte sempre ao Crônica do Dia.
Kiwi,
seja bem-vindo, obrigado.
Sandra,
beijos qualificados pelo cacau é tudo que se pode desejar.
também gosto, ele é tão brasileirinho, né? Vamos torcer para que ele não perca a ternura, jamais. Afinal, de que adiantam as certezas?