POR QUE NÃO A AMIZADE? >> Fernanda Pinho

“Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores. Mas enlouqueceria se morressem meus amigos”, Vinicius de Moraes.


Responda rápido: quantas músicas brasileiras você conhece que falam sobre a amizade? Se você for esperto, certamente se lembrou de Canção da América, de Milton Nascimento e, quem sabe, de Amigo, que Roberto fez para Erasmo. Se for um pouco desligado, talvez nem isso. E se for muito esperto, talvez tenha se lembrado de mais umas duas ou três – que eu não sei quais são, porque não sou muito esperta. Mas vamos tentar outra questão: quantas músicas brasileiras você conhece que falam sobre o amor? Agora, sim, tenho certeza de que sua cabeça está fervilhando, mesmo se você for o mais desligado dos mortais.

Chega a ser impossível responder. É como tentar mensurar quantas estrelas tem no céu ou quantos litros de água há nos oceanos. Porque o amor é assim. Lembrado em atacado. Propagado em massa. Festejado em larga escala. E não por um acaso. O amor, esse, entre casais — o preferido das músicas, dos filmes, das novelas e dos livros — é bom demais, todo mundo tem, já teve ou quer ter um. Ter um amor verdadeiro é quase tão bom quanto ter um amigo verdadeiro. Quase. Porque se o amor é o frenesi, a amizade é o porto seguro. Se o amor é pular de bungee jump, a amizade é caminhar de mãos dadas. Se o amor é a dúvida constante, a amizade é a certeza eterna. Se o amor é o protagonista, a amizade é a coadjuvante. E essa última parte, para mim, não faz o menor sentido.

O mundo inteiro já ouviu falar em Romeu e Julieta. E posso apostar também que o mundo inteiro já ouviu falar em Dom Quixote e Sancho Pança. Agora, experimente questionar sobre a história dessas duas duplas. Tenho certeza de que a de Romeu em Julieta está na ponta da língua de nove entre dez pessoas (não digo dez entre dez, porque há sempre um desinformado para avacalhar as estatísticas). Já a história de Dom Quixote e Sancho Pança, pouca gente vai saber contar. Culpa de Cervantes que ficou menos popular que Shakespeare? Desconfio que não. É que Romeu e Julieta eram amantes, e Dom Quixote e Sancho Pança, amigos. E, ao que parece, amizade não dá Ibope. Para que propagar a relação de amizade e cumplicidade entre Sherlock Holmes e doutor Watson se saber que eles são uma engenhosa dupla de trabalho já é o bastante? E talvez seja melhor assim. Se a amizade é demais, já começa a levantar suspeitas. Que o diga Batman e Robin. Coitados, até hoje estão explicando que são “apenas bons amigos”.

Aliás, eu acho esse negócio de “apenas bons amigos” um abuso. Como assim “apenas”? “Apenas” implica em pouco, em falta, em insuficiência. É como se ser amigos não fosse o bastante, não fosse o máximo, não fosse tudo e mais um pouco! Acho uma palhaçada quando vejo algum suposto casal famoso desmentindo o romance com esse papo de “apenas bons amigos”. Como assim? A amizade é que deveria ser pauta, motivo para matéria de capa e chamada em todos os sites. “E aí, é sério que surgiu entre vocês uma amizade verdadeira?”, perguntaria a repórter do programa de fofocas. “Não, não. Amizade é muito. Somos apenas bons namorados”, desmentiria o galã. Isso, sim, faria sentido. Mas em um outro mundo. Um mundo em que as pessoas entendam que é mais fácil furar um buraco no quintal e sair petróleo que encontrar um amigo de fé, irmão, camarada. Tipo aquele do Roberto.


[Este texto faz parte do livro "CARTAS AOS MEUS AMIGOS E OUTRAS HISTÓRIAS DE AMIZADE", que reúne contos e crônicas escritos por mim e por Laís Bastos e Maria Samara — minhas amigas, claro. Quem tiver interesse, pode adquirir um exemplar clicando AQUI.]

Comentários

Anônimo disse…
Eu já chorei na amostra grátis. Imagine, então, quando estiver com meu livro em mãos.

Amo você, e não é clichê!

Beijoca.
Samara disse…
Melhor texto em defesa da amizade! Embora ela fale por si, nós não conseguimos não prestigiá-la. Obrigada, amiga, pela parceria nesse livro e na vida.
Calypso Martins disse…
Simplesmente perfeito!
Sá Luz disse…
ADOREI! Sem mais.
Fernanda, lembrei aqui de Caetano: "Sei que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade, e quem há de negar que esta lhe é superior?". De Renato Teixeira: "A amizade sincera é um santo remédio, é um abrigo seguro". Do Balão Mágico: "Viver os sonhos, tudo que acontecer. Fazer amigos, mas amigos pra valer". De mim mesmo: "Vão-se as musas, ficam músicas. Vãos amores, amizades são melhores". De Roberto e Erasmo: "Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar". E por aí vai: amigo é comigo mesmo. :)
Fernanda,nunca me julguei desligado; mas como não consegui lembrar nenhuma música que falasse de amizade, estou chateado com você.
Amizade é quando você sente explodindo no peito esse sentimento de orgulho que não dá pra colocar em palavras quando vê seu amigo feliz e fazendo sucesso. Já o amor dá dor de barriga. Taí a diferença!
Jujú disse…
Concordo com a Yoko, já chorei agora nessa "linda amostra", vou ter um treco com o livro inteiro!

Eu sou suspeita, porque são os amigos que fazem da minha vida o que ela é! E vc é uma das mais importantes, e sabe disso!

Claro que agora minha mente começou a ter um colapso, e eu vou ficar o dia todo lembrando de letras com amigos!

Mas uma que eu amo e me lembrei na hora que vc perguntou, e que aproveito pra encerrar meu longo comentário, é:

" E o bom de viver é estar vivo, ter irmãos, ter amigos. Ter sonhos, ter motivos pra cantar..." (Herbert Vianna)

Beijos, minha amiga!
adore essa crônica prof:Robeta é bom saber q outras pessoas dão mais valor a amizade do que ao amor...muito linda essa crônica...^^
Kika disse…
Que texto mais lindo. Bate em qualquer um de amor.
Amei. Amizadei.
:)
beijos
Unknown disse…
Eduardo: você é muito esperto!

Louro Neves: não fica chateado comigo não! Eu sou legal =)

Iasmin: que bom que gostou. Amizade não deixa de ser um tipo de amor, né? E acredito que no amor entre casais deve haver amizade.

Kika: adorei "amizadei"! Vou aderir! rs

Fabi, Sam, Caly, Sá, Thatha e Jujú: Por ter pessoas como vocês na minha vida é que esse assunto me inspira tanto. Muito obrigada por tudo!
Carla Dias disse…
Ah, Fernanda... A graça – não da comédia (apesar de adorar o tom de...), mas da graciosidade – desse texto é endossada no final, quando sabemos que ele faz parte de um livro escrito por amigas. O que dizer?
Eduardo Henry Gonzaga Ikegami disse…
Amei!
Marilza disse…
Fernanda, amei! Amigo é tudo de bom não?
Unknown disse…
Carla, Eduardo e Marilza: se gostaram do texto assim, é porque certamente vocês têm amigos marvilhoso como eu. Muito obrigada pelas palavras!
Vinicius Machado disse…
Adorei Fernanda, vou ver se consigo comprar o quanto antes =)

Sucesso!
albir disse…
Que coisa mais boa de se ler, Fernanda.

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