CONFLITO PÓS-MODERNO
>> Leonardo Marona

uma coisa estranha, entre tantas, acontece
comigo agora, perto da noite, diante do breu,
deito-me sozinho e me dou conta, pasmo,
de que não consigo dormir sozinho, como
quando éramos crianças, penso me girando,
procurando o travesseiro, então dou risada,
mas no fundo choro, porque, nu na cama,
percebo outro problema mais grave: já não
posso mais acordar acompanhado, melhor,
posso até acordar, mas me dêem uma hora
de sono, desde que acorde sem ninguém
ao lado e farei meus polichinelos, esticarei
a coluna, estalarei os ossos e assobiarei
junto aos passarinhos, brindarei ao novo dia,
enquanto que, se me derem doze, quarenta
horas de sono-pedra ao lado de um amor,
por mais amoroso que seja o amor, e ele é
sempre o mais amoroso enquanto é nosso,
eu não conseguirei me mexer no outro dia,
reclamarei das juntas, até dos passarinhos,
tudo, talvez, porque ao lado do nosso amor
sentimos ganas de dividir o que há de pior,
enquanto que sozinhos, quem sabe, não há
o que fazer a não ser permanecer vivo, e sem
outro para ver nossas caretas, resta sorrir,
porque afinal não podemos, da cama, ver
nossas próprias caretas, que coisa estranha,
que dilema atual: não poder dormir sozinho,
e não admitir poder acordar acompanhado.


http://www.omarona.blogspot.com/

Comentários

Caca disse…
Bom, se me permite, vou fazer uma brincadeira: alternar os dias de companhia e sozinho.rsrs.

Mas a prosa poética ficou muito bela. Abraços. paz e bem.
Muito bom, Léo. Quase uma canção. Se eu estivesse aqui com o meu violão...

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