EU TENHO MAIS DE 20 ANOS >> Carla Dias >>

Na próxima semana eu farei 40 anos.

Assim como a minha mãe, não tenho apego pela data a ponto de fazer festa. Nunca tive essa necessidade, e mantenho essa desnecessidade até hoje. Ninguém me verá me descabelando porque alguém se esqueceu de me dar os parabéns, nem mesmo porque não teve bolo, refrigerante, língua de sogra. Este é um dos poucos assuntos em que sou muito bem resolvida.

Já nos números a coisa desanda um pouco... Aos quase-quarenta eu me pego repensando a mim, mas muito parecido com aquele jeitinho de quem sentiu o bafo da morte e viu a vida passando feito filme mudo num constante – e descarado - >>forward. Não se trata de uma crise dos 40, mas de uma contemplação intrigada do tempo em que sou gente e o que fiz com ele, até agora.

Isso significa que há quase duas décadas que cantarolo “eu tenho mais de 20 anos/e eu tenho mais de mil perguntas sem respostas”, fazendo valer o dito na canção. Porque eu tenho mais de vinte anos há quase vinte anos, e continuo com mais perguntas do que respostas no balaio da minha inquietação.


Eu fiquei pra tia sem remorso, porque meus seis sobrinhos têm sido inspiração para a minha jornada existencial e para tantas crônicas, que nem sei quantas, mas provavelmente as mais divertidas. Uma simples conversa com um deles é capaz de abrandar as coisas, quando tudo anda denso demais da conta.

Rever a própria história faz parte desse passeio pelo tempo que passou. Isso me faz lembrar que, ainda ontem, quando cabia em mim um par de décadas a menos, eu acreditava piamente que a minha vida seria fantástica... E ela o tem sido, não do jeito que eu sonhava, mas de tantas maneiras que só posso engolir de vez que a vida é sim uma montanha russa.

Na minha montanha russa, os altos têm sido muito altos, e os baixos são dos que adoram tocar fundo de piscina, antes de voltarem à superfície. Enquanto volto à superfície, fecho os olhos, imaginando o que será que me espera lá em cima, e desejando que, de vez em quando, seja o equilíbrio.

Quando analiso meu tempo nesta vida, sinto-me mais feliz em pensar aqueles que me cercam do que a mim mesma. Não fossem as pessoas que por mim simplesmente passaram para então partirem, e aquelas que ficaram, e as que me acompanham desde meu nascimento, da minha infância adultinha de tudo, da minha adultice infante... Não fossem todas elas, eu não teria descoberto a delícia que é viver acompanhada de afeto, consideração, amor. Então, parabéns para essas pessoas, não para mim. O que comemoro vem de fora, transforma meu dentro, mesmo quando tudo o que eu quero é voltar a vestir número 40... Seria lindo, mas fica pra próxima vida... Voltar a vestir 40 aos 40 anos de idade.

Fiquei pensando e pensando, querendo fisgar uma das lembranças mais intensas da minha vida. Engraçado como há varias lembranças das mais intensas... E das mais tristes, também. Recordei-me, então, da primeira vez que fui a São Thomé das Letras (MG) e senti, quase fisicamente, a necessidade de não mais voltar para casa. Queria ficar lá: pés na água, olhar no céu, explorando os vales, tomando banho de cachoeira... Mais ou menos, que não sei nadar. Havia um bar lá, isso foi em 1995, que um amigo disse para eu conhecer, na verdade, ele insistiu que eu o conhecesse, mesmo o bar já não existindo mais. Ele queria que eu conhecesse uma das paredes do bar, e eu fui.

Uma lua cheia, linda, pintada na parede, iluminando um caminho misterioso. Ao observar a pintura, senti uma vontade imensa de entrar nela, de botar os pés naquela estrada, de me dependurar naquela lua. E agradeci, em silêncio, feito oração repentina, ao meu insistente amigo, ele que sabia o que encontraria ali. Sabia que aquela imagem seria uma das lembranças mais intensas da minha vida.

Às vezes, eu olho para o meu passado e acho que foi outra pessoa que o viveu. Mas sei que a maioria de nós se sente assim, então acho que isso faz parte da nossa jornada. E só o que posso pedir não é presente, é presença... Que a vida sempre se faça presente de forma inspirada e inspiradora.


Comentários

Unknown disse…
Que lindo seu texto, Carla. Tirando a parte dos seis sobrinhos (que eu não tenho e dificilmente terei, pois só tenho uma irmã) e de São Tomé (que não conheço ainda) diz muito sobre mim também. Engraçado que eu quase escrevi meu texto dessa semana sobre essa condição "montanha russa" que é minha vida. Deve ser por isso que a gente escreve. Um jeitnho de dar conta de tanta intensidade.
Beijos!
Cláudia disse…
Li sua crônica encantada e comovida. Não nos conhecemos, mas suas palavras atravessaram a tela do meu computador e, feito chuva, caíram nos meus dias. Lembrei momentos da minha vida.
Já completei 49 anos, portanto mais velha que você. Penso da mesma forma. Isso espero que seja um ótimo sinal. Aos 50 a gente pensa do mesmo jeito que pensou aos 40, apenas deixamos de vestir manequim 40, afinal seria pedir demais, não é mesmo? rss
Parabéns, gostei muito do seu texto!
Cláudia
Marilza disse…
Dificíl não se encontrar, em algum momento, em algumas partes, no seu texto. Eu, me encontrei nele todo.
Belo texto. Parabéns! Inclusive pelos 40 anos cheios de lembranças intensas.
Oi, Carla!
Parabéns Carla!
Você tem os 40 anos mais bem escritos que eu já presenciei neste nosso mundo virtual, entretanto, intenso...
Obrigada por essa crônica! Que coisa mais linda! Impossível não tomá-la para a vida de cada pessoa.
Ela me serviu direitinho, infelizmente não num número 40, mas no número exato do que eu precisava e num número muito menor do que o seu grande talento!

Beijos
albir disse…
Parabéns, Carla, por estar por aqui há quarenta anos apreendendo e transmitindo com arte e sem egoísmo.

E parabéns ao Crônica do Dia pela Carla de toda semana.
Juliêta Barbosa disse…
Carla,

Você faz quarenta e eu fiz sessenta, mas...

Preciso de um pouco mais de tempo para ousar o que ainda não fiz, mas ele se nega, zomba das minhas vontades, brinca com as minhas certezas e quando me dou conta, está partindo sem que eu possa lhe dizer o tanto que aprendi. Digo-lhe apenas que, hoje, é a época certa para fazer uma nova semeadura, mas ele desdenha e diz: - agora é tarde! E eu penso: Ah! Se soubesse do meu desejo por mudanças e quanto entusiasmo eu ainda tenho, talvez concedesse em atrasar os ponteiros do relógio só para me dar uma nova chance! Uma outra oportunidade para mudar as regras e virar o jogo da vida, que sempre começa quando está terminando...

Desejo-lhe uma passarela de pétalas de rosas para que o seu caminhar, de hoje em diante, seja mais suave. Parabéns! Você faz aniversário e nós recebemos o presente... Linda crônica!
Carla Dias disse…
Fernanda... É só adotar os filhos dos amigos como sobrinhos e está resolvido! E quando puder, dê uma olhadinha em São Thomé que lá é um daqueles lugares mágicos. E com certeza a gente escreve para poder andar de montanha russa sem ser atropelada pela própria intensidade. Beijos!

Cláudia... Obrigada pelas palavras tão carinhosas. E por ler a crônica!
A mudança de idade em si nunca me afetou, ou tudo o que vem junto. Espero saber envelhecer com graça, sabe? Mas como lidamos com o passar do tempo é que são elas. Espero que ao completar os seus 50 anos, você olhe com carinho para a sua história.

Marilza... Agradeço por você se permitir encontrar nos meus textos e pelos parabéns. Obrigada!

Marisa... Sinto-me lisonjeada : )
Obrigada a você por ter tirado um tempinho para ler esta crônica. Fico feliz que ela tenha lhe caído bem... Servido!

Albir... Obrigada pelos parabéns em tantas vertentes. Fiquei muito feliz ao leu suas palavras!

Juliêta... 40 ou 60... Ou seja, lá quando/quanto for, o importante mesmo é aproveitar o tempo como você diz na sua bela mensagem. Que a passarela seja nossa, assim como a suavidade. Que possamos desfilar pelo tempo com a leveza da felicidade.
Fernanda Arruda disse…
Carla,
Eu senti exatamente a mesma coisa quando fui pela primeira vez pra São Thomé das Letras, em 1996. Não queria mais voltar pra casa, aliás, desconfio que parte de mim ficou lá, eternizado, naquelas montanhas que falam e cantam.

Feliz aniversário pra você!

Beijos
Carla Dias disse…
Fernanda... São Thomé é mesmo um lugar muito mágico. A gente pensa em se largar por lá, e sim, acho que parte de quem se entrega aos encantos do lugar acaba ficando por lá mesmo.
Obrigada pelos parabéns : )
Bjs!

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