NEM TUDO TEM SENTIDO >> Fernanda Pinho

"Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções" - Álvaro de Campos




Confesso: nunca – NUNQUINHA! – entendi o que é logaritmo, pra quê isso existe e pra quê isso serve. Sempre confundi platelmintos com nematelmintos e Jânio Quadros com João Goulart. Física? Acho que só aprendi a parte dos espelhos. Aquela que fala que as imagens refletidas refletem...o reflexo. Bom, já me esqueci também. Mas em compensação, quando o assunto era interpretação de texto sempre fui imbatível. Modéstia às favas. Vai ser talentosa assim lá longe para interpretar um texto. Qualquer fábula, qualquer poesia concreta, qualquer livro, qualquer problema matemático (que eu só não acertava por inabilidade para resolver as contas). Eu sabia interpretar de tudo. Tirava dez e ainda ganhava ponto extra.

E essas coisas que a gente nasce sabendo são assim. A gente não esquece. Trouxe esse talento para a vida. Infelizmente. Se eu pudesse voltar no tempo – mas voltar muito mesmo – eu negociaria com o Criador. Entregaria de bandeja essa capacidade de interpretar milimetricamente tudo o que acontece diante dos meus olhos por algum outro talento menos árduo. Resolver contas com números decimais, conversar com chimpanzés, fazer decoração em ovos. Sei lá. Tem tanto talento no mundo.
E o meu, sem querer me fazer de vítima nem nada, é um fardo. Primeiro porque – diferente das provas escolares – na vida, nem tudo tem uma resposta correta. Nem tudo precisa de interpretação. Interpreto a torto e a direito, como me convém. Ou não. A falta de resposta para um e-mail, por exemplo, é vista como descaso, caso eu esteja interessada pelo destinatário. Me sinto um lixo, a pior dos mortais, praguejo contra o mundo. Um apocalipse particular. Por outro lado, se o destinatário em questão é alguém que demonstra interesse por mim, interpreto a falta de resposta como charme. Necessidade de chamar minha atenção. No fim das contas, descubro que não era uma coisa nem outra. A resposta não veio porque não havia pergunta. Homens são assim. Simplistas. Simples.

E o “preciso conversar com você depois”? Ai, nada me tortura mais do que isso. Enfiem agulhas quentes embaixo das minhas unhas. Me tranquem num quarto escuro lotado de ratos e baratas. Me obriguem a tomar banho gelado às seis horas da manhã. Mas não digam que querem conversar comigo depois. Isso acaba com meu dia, com a minha pele, com meu estômago e com as minhas unhas. Meus neurônios trabalham a toque de caixa. Um busca um dossiê com todas as vezes que alguém me disse isso. Outro apresenta um infográfico contendo estatísticas sobre os assuntos abordados nessas situações. Outro busca exemplo na vida das minhas amigas. Outro interpreta o tom de voz do indivíduo. Outro decodifica os sinais corporais. Outro faz um levantamento de possíveis sinais emitidos pelo individuo nos dias que precederam a famigerada sentença. Milhões trabalhando a milhão. É tanta energia gasta que chega a ser frustrante quando tudo o que ele queria era perguntar se eu topava ir ao jogo quarta-feira. O que não chega a ser aliviante. Fico é com raiva, isso sim. Detesto suspense desnecessário.

Um “bom dia” em tom desanimado, uma carinha enviada displicentemente pelo MSN, um aperto de mão mais intenso, um “ei” vindo de quem está habituado a dizer “oi”, um “não” muito enfático, um “sim” não muito convincente. Tudo passa pelo crivo da minha mania de interpretar. Tudo ganha proporções imensas. Tudo é tempestade, mesmo sem nunca ter sido, ao menos, um copo d´água.

P.S.: Sabe o que me consola? Saber que não estou sozinha. Depois que escrevi esse texto, li num livro da ótima Martha Medeiros o seguinte trecho: “Nós (as mulheres), as reconhecidas como sensíveis e afetivas, somos, na verdade, máquinas cerebrais. Alucinadamente cerebrais. Capazes de surtar com qualquer coisa, desde as mínimas até as muito mínimas. Somos mulheres que nunca estão à toa na vida, vendo a banda passar, e sim atoladas em indagações, tentando solucionar questões intrincadas, de olho sempre na hora seguinte, no dia seguinte, planejando, estruturando, tentando se desfazer dos problemas, sempre na ativa, sempre atentas, sempre alertas, escoteiras 24 horas”.

Comentários

Samara disse…
o/ Também sou bem assim. Será que ser ansiosas/criativamenteparanoicas vem com o duplo X do gene XX das mulheres? E por isso, os homens que só tem um X, sao mais simpli.. digo, simples?
Mariana Perez disse…
Fernanda...
vc brilhante como sempre!!!!

Um brinde á essa mulheres que sofrem nos bastidores da vida...rss

Abraços,
Gustavo Guimarães disse…
Esse negócio de precisamos conversar mais tarde também me mata! Detesto do fundo da minha alma!
Carla Dias disse…
Ah, Fernanda! Continue interpretando, mas sem esquecer de nos contar as coisas por aqui (pode ser na conversa de mais tarde...), e pense que poderia ser pior... Você poderia, ao invés de interpretar tudo, adivinhar o tudo todo! Já pensou? Aí eu acho que você teria de usar turbante e bola de cristal.
vanessa cony disse…
Fernanda,bem que desconfiava dessa mania feminina de simplesmente não parar de pensar.
Seu texto é ótimo e por isso toda essa identificação.
Seu talento realmente veio caprichado!rsrrs
Marilza disse…
Ai Fernanda, e não é que vc acertou em cheio? Por que será que somos todas assim, ansiosas e tão interpretativas? Até um pingo d´agua meio contorcido no chão nos causa várias interpretações...rsrsrs
Brilhante!
Bjs
Unknown disse…
É meninas, acho que esse nosso defeitinho de fábrica é crônico. Mas bom saber que os homens também tem suas neuras, né, Gu? :)

Muito obrigada pelos comentários!
Jujú disse…
Meninas,

Eu tenho certeza que isso é algo que já nasce com a gente, não é possível! O meu marido me vê nos meus dilemas, e diz que sofro antecipadamente por besteira. Aí diz com toda calma:

"Amor, vai resolver sofrer antes? Espera acontecer!"

Ah, tá, como se isso fosse possível!

Que bom que não estou só!

Adorei o texto amiga!

beijocas e lindo feriado!
Unknown disse…
Acho que nasci com o talento de imaginar semelhante ao seu de interpretar, se bem que sou boa nisso tb, acho que quem interpreta imagina né?rs

Fiquei confusa agora. Só sei que também atento para os detalhes que vc citou e também ODEIO quando dizem que precisam conversar depois, oras, se precisa conversar depois, por que malditos diabos infernais das trevas satânicas supremas anuncia???
Jaque disse…
Toca aí então Fer! A explicação deixo para a colega da teoria do duplo X. Namorado diz: "conversamos depois Jaqueline!" Odeeeeeio
Amorécula, interpretar é uma arte que faz de nós mulheres (loucas) especias. Interpretar é o seu defeito mais perfeito. Que bom que o Criador não faz recall.
Fernanda Coelho disse…
Parabéns, xará, por mais essa crônica espetacular. Chamo essa manifestação maluca dos nossos neurônios de síndrome do peru de natal (aquele que morre na véspera).

Parabéns mesmo.

Beijos

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