O TESOURO >> Kika Coutinho
Era um final de semana de muito, muito, muito sol.
Nós, um jovem casal sem filhos, não tínhamos muito o que fazer com a leveza do nosso tempo vazio – mesmo achando que éramos ocupadíssimos – e resolvemos caminhar um pouco pelo bairro. Lá pelas tantas, paramos na padaria, para comprar uns picolés.
- Vamos nos abastecer? – ele propôs, já pegando uma sacolinha.
- Opa – respondi, sem precisar ser clara.
Escolhemos os sabores a dedo: groselha, limão, humm, pega mais coco, e tem tangerina? Tangerina é bom levar bastante. Levamos. Ninguém censura picolés em dia de calor.
Saímos de lá rumo à nossa casa, felizes, carregando nosso armamento para um final de semana de verão.
Quase chegando, na descida, uma obra. Ele para, se aproxima, olha o tamanho do buraco que cavaram no meio da nossa rua e puxa papo com um operário:
- Tá fazendo o que aí? - ele pergunta e o operário responde, uma série de explicações tolas, enquanto aproveita para enxugar o suor.
Eu, calada, chupando aquela gotinha do picolé de limão, senti pena, e cochichei para meu bem: “Coitados... Vamos?”
Ele sabia o que era, tirou três picolés da nossa sacolinha e entregou aos três rapazes que trabalhavam, sendo que o último, o do buraco, recebeu ali mesmo a oferta, feliz, ajustando o capacete.
Continuamos nosso percurso caminhando, calados, nos deliciando com o nosso doce e ainda carregando a sacola – agora, mais leve.
Chegando em casa, o porteiro nos recebe, com seu habitual boa-tarde. De camisa, coitado. Suando feito um bicho. Nos olhamos de novo, a sacolinha nas mãos, os palitos quase vazios nos dedos. Ninguém disse nada. Ele foi logo entregando um picolé pro porteiro, bem na hora, no mesmo instante, em que chega o faxineiro e o folguista, quanta gente trabalha aqui. Lá vai mais um, dois, tem mais gente? Pergunto. Tem, tem o Zé que tá na garagem. Leva pra ele. Tá. De nada, Tchau.
Subimos, jogamos a sacola já vazia no lixo e deitamos na sala. Nenhuma palavra sobre o tema. O silêncio que ecoava no apartamento, o sorriso, a alegria de um dia de verão apenas diziam que nada precisava ser dito.
Éramos o casal perfeito. A tampa e a panela, o chinelo velho e o pé cansado. Não precisamos falar para saber, não precisávamos perguntar para ter as respostas.
Ambos sabíamos que nosso tesouro, aquele que aparentava estar numa sacola cheia de picolés, não valia tanto assim.
Foi numa tarde de verão que eu percebi que todo meu tesouro, todo, todo ele, todinho mesmo, é feito apenas e tão somente de pequenos e silenciosos instantes.
Nós, um jovem casal sem filhos, não tínhamos muito o que fazer com a leveza do nosso tempo vazio – mesmo achando que éramos ocupadíssimos – e resolvemos caminhar um pouco pelo bairro. Lá pelas tantas, paramos na padaria, para comprar uns picolés.
- Vamos nos abastecer? – ele propôs, já pegando uma sacolinha.
- Opa – respondi, sem precisar ser clara.
Escolhemos os sabores a dedo: groselha, limão, humm, pega mais coco, e tem tangerina? Tangerina é bom levar bastante. Levamos. Ninguém censura picolés em dia de calor.
Saímos de lá rumo à nossa casa, felizes, carregando nosso armamento para um final de semana de verão.
Quase chegando, na descida, uma obra. Ele para, se aproxima, olha o tamanho do buraco que cavaram no meio da nossa rua e puxa papo com um operário:
- Tá fazendo o que aí? - ele pergunta e o operário responde, uma série de explicações tolas, enquanto aproveita para enxugar o suor.
Eu, calada, chupando aquela gotinha do picolé de limão, senti pena, e cochichei para meu bem: “Coitados... Vamos?”
Ele sabia o que era, tirou três picolés da nossa sacolinha e entregou aos três rapazes que trabalhavam, sendo que o último, o do buraco, recebeu ali mesmo a oferta, feliz, ajustando o capacete.
Continuamos nosso percurso caminhando, calados, nos deliciando com o nosso doce e ainda carregando a sacola – agora, mais leve.
Chegando em casa, o porteiro nos recebe, com seu habitual boa-tarde. De camisa, coitado. Suando feito um bicho. Nos olhamos de novo, a sacolinha nas mãos, os palitos quase vazios nos dedos. Ninguém disse nada. Ele foi logo entregando um picolé pro porteiro, bem na hora, no mesmo instante, em que chega o faxineiro e o folguista, quanta gente trabalha aqui. Lá vai mais um, dois, tem mais gente? Pergunto. Tem, tem o Zé que tá na garagem. Leva pra ele. Tá. De nada, Tchau.
Subimos, jogamos a sacola já vazia no lixo e deitamos na sala. Nenhuma palavra sobre o tema. O silêncio que ecoava no apartamento, o sorriso, a alegria de um dia de verão apenas diziam que nada precisava ser dito.
Éramos o casal perfeito. A tampa e a panela, o chinelo velho e o pé cansado. Não precisamos falar para saber, não precisávamos perguntar para ter as respostas.
Ambos sabíamos que nosso tesouro, aquele que aparentava estar numa sacola cheia de picolés, não valia tanto assim.
Foi numa tarde de verão que eu percebi que todo meu tesouro, todo, todo ele, todinho mesmo, é feito apenas e tão somente de pequenos e silenciosos instantes.
Comentários
O amor é revelado nesses pequenos gestos .Não me refiro ao amor do casal,porque esse é nítido.Mas o amor ao ser humano,as pessoas e a si mesmo.A alegria em fazer pelo outro tb demonsta amor!!!
Adorei.