SÓ TEM UM >> Eduardo Loureiro Jr.

Relacionar-se é fácil, inclusive afetivamente, desde que cortemos os problemas pela raiz. E os problemas básicos de todo relacionamento são dois: exigimos que o outro seja como nós em nossas (supostas) qualidades e desejamos que os outros sejam salvadores de nossas faltas.

Pode ser uma coisa tão simples quanto a posição do papel higiênico. Quem acha que deve sair pelo lado de cima faz questão que o outro posicione o papel de modo que ele saia pelo lado de cima. Pode ser uma coisa mais complexa como as atribuições de cada um na relação: quem bota gasolina, quem faz as compras, quem chama para o sexo ou para a conversa. Um fica tentando que o outro cumpra as funções que o primeiro julga corretas. Pode até ser uma coisa para além do relacionamento: a maneira como o outro trata e se relaciona com terceiros (parentes, amigos). Dá problema quanto um exige que o outro faça as coisas do jeito que o primeiro faria.

Não bastasse o outro ter que ser igual a nós, ele também tem que ser — ao mesmo tempo — diferente de nós, para cobrir as nossas falhas e necessidades. O outro tem que cumprir compromissos que fomos nós que assumimos, tem que atenuar carências que vêm lá da nossa infância (para não entrar no polêmico assunto de vidas passadas), tem que ser o SuperMouse, meu amigo, que vai salvar-me do perigo. Também dá problema quando queremos que o outro banque Papai, Mamãe, um super-herói ou mesmo Deus.

Isso me faz lembrar a história da mulher ambiciosa, que minha avó, Vó Izolda, conta:



Nos relacionamentos, continuamente recebemos do outro algo que desejamos. Mas estamos sujeitos a dar o já recebido por certo — muitas vezes damos o recebido por pouco, por muito pouco —, e pedimos cada vez mais do outro: que ele seja igual a nós, e que seja diferente de nós. O final dessa escalada de petições — desse querer ser Deus  por meio do outro — é o mesmo da história de minha avó: "Deus só tem um."

Esse "um", na minha compreensão, não é o Deus exterior, mas o Deus interno, o si-mesmo. Só tem um que pode nos atender em tudo que necessitamos, desejamos e pedimos. Esse um é cada um de nós mesmos. Se cortarmos pela raiz o mal de querer do outro aquilo que nós mesmos temos que nos dar (a subsistência, o valor próprio, a auto-estima, o amor), então o relacionamento não terá mais problemas. Será o feliz encontro de dois uns que não se exigem, que recebem com alegria o que vem do outro justamente porque daquilo não mais dependem. Tudo será fácil, extremamente fácil, pra você e eu e todo mundo viver junto.

Comentários

Cláudia disse…
Eduardo, você está cada dia mais inspirado e nos presenteia com belíssimas reflexões como esta. Abraço e parabéns!
Cristiane disse…
Gente, que delícia esta voz de sua voinha! Surpresa boa. Crônica para ouvir e ler... e esta história do peixe dourado é ótima! Adorei.
Grato, Cláudia. Principalmente quando o ar é rarefeito, a gente tem que inspirar fundo. :)

Cristiane, bem-vinda à adoração de peixes e vós. :) "Valha-me, Senhor dos Pássaros e dos Carneiros. Valha-me, Senhor dos Medos. Valha-me, Senhor de minha avó."
Ana Guerra disse…
Eduardo, AMEI! Amei tanto que divulguei lá no meu cantinho também! Um beijo em você e na sua avó. :)
Ana, que bom que entrou no fluxo de amor. :)

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