HORA DE IR >> Eduardo Loureiro Jr.

Brasília, 1º de março de 2009

Minha querida,

Escrevo na sua presença. Vejo você caminhar do quarto até a cozinha, da cozinha até a varanda, da varanda até um beijo meu.

Daqui a alguns dias, começo uma longa viagem. Serão dois meses e meio. Tempo longo demais para quem deseja estar próximo, junto, ao curto espaço de um beijo, um sorriso, um abraço.

A vida está sempre mudando. Algumas vezes, mudanças que nos parecem bruscas, que nos deixam perguntando de onde veio esse vento que mudou tudo tão rápido. O sentimento imediatamente anterior a tais mudanças é a surpresa, a estupefação.

Outras vezes, a mudança é lenta, antecipada, anunciada. Podemos senti-la chegando como o vento forte que precede a chuva torrencial. Temos tempo de nos preparar, de recolher a roupa do varal, de pararmos o que quer que estejamos fazendo para nos colocarmos à janela e assistirmos a um espetáculo da natureza ou mesmo para descermos à rua e nos molharmos inteiros.

Esta minha viagem está de muito anunciada num poema que escrevi há tempos:

Não sou Pacífico,
sou Atlântico
— Mar Tenebroso.
Quando atravessar,
ganho um mundo novo.

Travessia interior que se projeta numa travessia exterior. Da mesma forma que nunca soube o que ia encontrar do outro lado do mar das tormentas de mim mesmo, também não sei o que me espera além do oceano concreto de água e sal. Diferente língua, pessoas, sabores, paisagens.

Houve um tempo em que meu mundo se resumia a meu quarto. Depois meu mundo foi a minha casa. Hoje meu mundo é o Brasil entre Fortaleza, Teresina, Brasília, Rio Branco, Salvador, São Paulo, Natal, São Luís, Rio de Janeiro... Daqui a alguns dias, meu mundo começará a ser o Mundo.

E eu que sempre vivi a situação descrita por Álvaro de Campos — "Na véspera de não partir nunca / ao menos não há que arrumar as malas." — agora me vejo "fazer planos em papel, / Com acompanhamento involuntário de esquecimentos". Bagagem de documentos, reservas, ingressos... Bagagem de meias, calças, camisas... Bagagem de adaptadores, câmera, notebook... Bagagem de sentimentos, esperanças, projetos...

E, assim como a "memória serve para esquecer e para lembrar" nas palavras de meu caro amigo Fabiano , também a bagagem serve para levar e para deixar. Na minha bagagem, levo o teu amor por mim e deixo o meu amor por ti, que é um jeito também de viajarmos juntos nesse nosso amor que não conhece lá ou acolá, que é sempre aqui, no aconchego do abraço.

Se vou, não é porque queira exatamente ir. É que na vida fui aprendendo que, além do nosso querer que a gente sabe que é nosso, existe um outro querer que a gente pensa que é alheio, mas que é na verdade nosso querer profundo, nosso querer desprovido de medos e apegos.

Seguindo esse querer, fazendo essa viagem, tenho a convicção de que estaremos ainda mais próximos. Esse mundo novo que ganharei, trarei para compartilhar contigo. Não apenas o mundo de fotos, histórias, souvenirs... Também o mundo interno de confiança, coragem, flexibilidade.

Eu sou minha própria bagagem. A medida com que vou é a medida com que fico. A mudança já não me calafria, ela me sussurra-esquenta gostoso feito nosso beijo, nosso sorriso, nosso abraço.

A primeira canção que aprendi ao violão, há vinte e três anos, parece que foi composta pelo Roberto Carlos para este momento:

Já está chegando a hora de ir,
venho aqui me despedir e dizer
que em qualquer lugar por onde eu andar
vou lembrar de você.
Só me resta agora dizer adeus
e depois o meu caminho seguir.
O meu coração aqui vou deixar,
não ligue se acaso eu chorar,
mas agora adeus.

A Deus. Porque o que Deus uniu por Seu querer — que é também e tão bem o nosso — uma viagem só pode ampliar.

Com amor,

Eduardo


Comentários

Juliêta Barbosa disse…
Eduardo,

Esse texto merece um milhão de "estrelas." (excelente)
Te deixo a minha admiração e o meu desejo de que voltes o mais breve possível para a fonte de tão linda inspiração.
"Ah, se todos fossem no mundo iguais a você."Que maravilha...Amar!
Carla S.M. disse…
Seu texto derreteu a neve lá fora. Eu bem sei o quanto a distância aproxima e o quanto a bagagem (quando a gente se carrega)pesa... Que bom que você compartilha seu mundo com esse daqui.
Anônimo disse…
Junoca,

Fazia tempo que não lia uma carta de amor :o) O meu desejo é de que você encontre, do outro lado do mar, tantas coisas boas quanto sei que tem encontrado em si. Feliz viagem, feliz estadia e feliz retorno!
Um abraço crinhoso.
Tia Monca
Magna Santos disse…
Quem parte com tanta delicadeza, acaba deixando sempre profundas lembranças. No seu caso, certamente, deixará mais do que isso. Que linda carta de amor com um fundo musical tão perfeito. Fez-me lembrar de outra música(Vital Farias): "e eu chorando pela estrada, mas o que eu posso fazer? Trabalhar é minha sina, eu gosto mesmo é d'ocê".
Segue em paz!
Boa viagem!
Bom passar por aqui nesta noite de domingo.
Abraço.
Magna
Unknown disse…
Coisa linda essa despedida. Ainda bem que tem gosto de "até daqui a pouco".
Leva, guarda nosso carinho na bagagem. E enquanto vejo você acenar, alegre de expectativas, vou cantarolando contente por você: "se por acaso algum dia um beija flor invadir, a estrada na sua viagem..."

:)
Tantti baci! Auguri!
Juliêta, grato pelo céu de um milhão de estrelas do seu comentário. :)

cArLa, bom saber que o gelo dissolvendo aqui dentro também derrete a neve aí fora. :)

Tia, desejo que você passe a ler cartas de amor com mais frequencia. :)

Magna, vou acrescentar mais essa canção no CD de viagem. :) Grato pela visita de domingo.

Grazie, Claudia. Com carinho, essa viagem vai ser só fluxo sem pedregulho. :)
Tânia Batista disse…
Oi Edu,

Fazia tempo que eu não te "ouvia" dizer um "eu te amo" tão direto ... Quero conhecer essa poderosa, hein??

Que as tuas viagens (interiores e exteriores)sejam cada vez mais doces, felizes e plenas da realização que vc tanto busca!

Beijo, querido amigo.
Grato pela bênção, minha madrinha Tânia. :)

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