"Doutor, meu braço ficou curto!" >> Claudia Letti
Não foi uma surpresa tão grande assim, quando há uns 3 anos (ou mais), no meio de uma loja de departamentos, meu celular tocou e, antes que pudesse identificar a chamada no visor, minha filha anunciou, zombeteiramente: "Mãe, você precisa ir a um oculista". Claro que eu precisava. Já fazia algum tempo que eu me via distanciando os objetos dos olhos, a fim de poder enxergar suas letras menores e andava tendo experiências gastronômicas estranhas por conta de cardápios borrados mas, foi com o flagrante quase vexatório da minha filha adolescente - e que usa óculos por miopia -, que eu decidi visitar um oculista e anunciar sem mais delongas: "Doutor, meu braço ficou curto!"
O diagnóstico não poderia ter sido diferente, a perda da visão para perto ocorre com a idade e, na faixa dos 40, todos os que ainda não conhecem, são apresentados a um oftalmologista. Devo dizer que eu fiquei desapontada comigo mesma, que desde menina sonhava em usar óculos; acreditando que confere um certo charme, um ar intelectual, um toque de sensualidade a quem usa; essas imagens que fazemos quando a vida voa e a idade não tem a menor importância. Mas, de posse de meus primeiros óculos de grau - com o qual eu esperava que meu braço voltasse ao seu tamanho normal -, não me senti sexy nem com aquele ar intelectualóide blasé que eu comprava dos anúncios de marcas e óticas. Fui usando meu novo "acessório" com parcimônia, relutante que só e apenas para ler livros, de fato. Negligenciei o pequeno objeto no mundo paralelo dos rejeitados, ávidos a prestar um favor para sentirem-se úteis ao menor movimento de seus donos e, por precaução, voltei a ser fiel ao feijão-com-arroz da gastronomia carioca.
Até que, dia desses, num encontro familiar entre primos da mesma idade, descobri que não estamos sós. Nem eu, com minha paulatina falta de visão, nem meus óculos com sua síndrome de abandono. Entre conversas e risos, que nos remetiam à infância e lembranças da adolescência, nenhum de nós conseguiu ler o "sub"rótulo da embalagem de um cosmético. Enquanto eu e as primas esticávamos os braços sem piedade, nossa tia, com duas décadas mais e um par de óculos bem assentados no rosto, informou o que deveríamos ter lido. Realmente, pior cego é aquele que não quer ver e, num ato de teimosia coletiva, testamos a leitura da bula de um remédio qualquer: ninguém com mais de 40 e sem óculos entendeu uma palavra - das pequenas. Alguém presente na sala levantou a teoria de que gente idosa é muito sugestionável com o alerta dos possíveis efeitos colateriais, aquela parte que diz que "pode ocorrer" isso ou aquilo, e por isso mesmo, as letras são tão pequenas; ou seja, são propositalmente miúdas para que os idosos não leiam mesmo. Entre gargalhadas gerais (de nervoso!), o único efeito colateral que eu realmente senti foi o de ter sido enquadrada na categoria "gente idosa".
Foi nessa altura que me ocorreu que Saramago bem que poderia ter se inspirado numa cena assim, banal, corriqueira e muito cômica, diga-se!, para escrever uma obra profunda e tocante como o Ensaio Sobre a Cegueira. Aliás, nossa tia verbalizou o nome do livro que deu visão ao filme, no exato momento em que pensei nele, o que foi uma sincronia e tanto - ou um sinal dos céus para que, pelo amor de Santa Luzia ou São Ceguinho, eu use meus óculos sem mais desculpas.
Na última semana, lendo (a uma certa distância e sem óculos) o jornal com suas notícias e estórias de Carnaval, me deparei com uma matéria sobre uma Rainha de Bateria que se sente melhor e mais confiante sambando no chão do que em cima de qualquer carro alegórico. Ela também não pode exercitar-se como gostaria por causa de uma lesão no joelho, embora tenha emagrecido 4 quilos e sinta-se em plena forma para defender sua Escola. Lá pelas tantas da reportagem, alguém viu uma celulite. É celulite mesmo? Sim, é celulite, afirmou seguramente o outro (que deve usar óculos). Também fiquei espantada, ora se não. Luma de Oliveira, em forma, com "uma" celulite aos 44 anos? Convenhamos! Mas o que eu queria saber mesmo e a reportagem esnobou é... Só falta mesmo é ela nem usar óculos! Francamente!
Eu só posso garantir, no adiantado da minha faixa etária - a única coisa que tenho em comum com a Rainha de Bateria -, que celulite a gente tira de letra. Já os ensaios sobre a cegueira... Esses dão samba o ano inteiro.
E por falar em ano, findo o carnaval, ele acaba de começar. Meu desejo é que todos enxerguemos bem, de perto, com braços longos porque, de longe, ainda não dá para reclamar.
O diagnóstico não poderia ter sido diferente, a perda da visão para perto ocorre com a idade e, na faixa dos 40, todos os que ainda não conhecem, são apresentados a um oftalmologista. Devo dizer que eu fiquei desapontada comigo mesma, que desde menina sonhava em usar óculos; acreditando que confere um certo charme, um ar intelectual, um toque de sensualidade a quem usa; essas imagens que fazemos quando a vida voa e a idade não tem a menor importância. Mas, de posse de meus primeiros óculos de grau - com o qual eu esperava que meu braço voltasse ao seu tamanho normal -, não me senti sexy nem com aquele ar intelectualóide blasé que eu comprava dos anúncios de marcas e óticas. Fui usando meu novo "acessório" com parcimônia, relutante que só e apenas para ler livros, de fato. Negligenciei o pequeno objeto no mundo paralelo dos rejeitados, ávidos a prestar um favor para sentirem-se úteis ao menor movimento de seus donos e, por precaução, voltei a ser fiel ao feijão-com-arroz da gastronomia carioca.
Até que, dia desses, num encontro familiar entre primos da mesma idade, descobri que não estamos sós. Nem eu, com minha paulatina falta de visão, nem meus óculos com sua síndrome de abandono. Entre conversas e risos, que nos remetiam à infância e lembranças da adolescência, nenhum de nós conseguiu ler o "sub"rótulo da embalagem de um cosmético. Enquanto eu e as primas esticávamos os braços sem piedade, nossa tia, com duas décadas mais e um par de óculos bem assentados no rosto, informou o que deveríamos ter lido. Realmente, pior cego é aquele que não quer ver e, num ato de teimosia coletiva, testamos a leitura da bula de um remédio qualquer: ninguém com mais de 40 e sem óculos entendeu uma palavra - das pequenas. Alguém presente na sala levantou a teoria de que gente idosa é muito sugestionável com o alerta dos possíveis efeitos colateriais, aquela parte que diz que "pode ocorrer" isso ou aquilo, e por isso mesmo, as letras são tão pequenas; ou seja, são propositalmente miúdas para que os idosos não leiam mesmo. Entre gargalhadas gerais (de nervoso!), o único efeito colateral que eu realmente senti foi o de ter sido enquadrada na categoria "gente idosa".
Foi nessa altura que me ocorreu que Saramago bem que poderia ter se inspirado numa cena assim, banal, corriqueira e muito cômica, diga-se!, para escrever uma obra profunda e tocante como o Ensaio Sobre a Cegueira. Aliás, nossa tia verbalizou o nome do livro que deu visão ao filme, no exato momento em que pensei nele, o que foi uma sincronia e tanto - ou um sinal dos céus para que, pelo amor de Santa Luzia ou São Ceguinho, eu use meus óculos sem mais desculpas.
Na última semana, lendo (a uma certa distância e sem óculos) o jornal com suas notícias e estórias de Carnaval, me deparei com uma matéria sobre uma Rainha de Bateria que se sente melhor e mais confiante sambando no chão do que em cima de qualquer carro alegórico. Ela também não pode exercitar-se como gostaria por causa de uma lesão no joelho, embora tenha emagrecido 4 quilos e sinta-se em plena forma para defender sua Escola. Lá pelas tantas da reportagem, alguém viu uma celulite. É celulite mesmo? Sim, é celulite, afirmou seguramente o outro (que deve usar óculos). Também fiquei espantada, ora se não. Luma de Oliveira, em forma, com "uma" celulite aos 44 anos? Convenhamos! Mas o que eu queria saber mesmo e a reportagem esnobou é... Só falta mesmo é ela nem usar óculos! Francamente!
Eu só posso garantir, no adiantado da minha faixa etária - a única coisa que tenho em comum com a Rainha de Bateria -, que celulite a gente tira de letra. Já os ensaios sobre a cegueira... Esses dão samba o ano inteiro.
E por falar em ano, findo o carnaval, ele acaba de começar. Meu desejo é que todos enxerguemos bem, de perto, com braços longos porque, de longe, ainda não dá para reclamar.

Comentários
Adoro tuas crônicas que, como sempre, "enxergam longe" e nos ajudam a olhar desde uma perspectiva muito especial - que, afinal, só esses seus lindos olhos engendram.
Mas preciso fazer um reparo, sobre o fato de que você nada deixa a dever a Lumas e outras Rainhas - afinal, tens ainda, como valor agregado a sua inteligência, humor, astral, sensibilidade e uma escrita maravilhosa, uma beleza que encanta a cada vez que a reencontro (da forma bissexta que me é peculiar, lamentavelmente).
Tenho certeza de que os óculos lhe ficarão bem, embora talvez escondam teus lindos olhos. Eu os tenho (infelizmente refiro-me aos óculos, não aos teus olhos) desde os quatro anos, e sei que podem ser um estorvo. Mas não será no teu caso, pois se já vês o mundo e o transcreves com tua literatura de forma tão nítida e perspicaz sem eles, imagino com o foco adicional das lentes externas!
Um beijo no teu coração neste recomeço oficial de ano e que possamos tomar mais café no Cafeína pertinho de sua casa, pra eu desfrutar um pouco mais de teu sorriso deslumbrante e da tua presença encantadora!
As pessoas nos iludem dizendo que a idade tras sabedoria, confiança, amadurecimento, etc, mas em compensação tras estes tipos de coisas extramente desagradáveis, tudo despenca, o cabelo fica branco e pior, prá maioria do homens cai tudo. Não dá prá deixar de lado, a coisa mais "disgusting" que é encontrar, com o perdão da palavra, um pentelho brancccooooo !!! é o fim, é ladeira abaixo.
beijão, Rudney
Mas o fato é que, apesar dos óculos e dos pentelhos brancos, aprendi na minha caminhada à velhice que sou muito mais interessante, hoje, do que qualquer garotão com 20 anos. Portanto, falo de peito aberto e seguro do meu enredo: Não troco meus 35 anos por nada!
Carlos Verdini Clare
Ricardo querido, amigos assim como você, que me apresentou entre outras referências, a Ana C Cesar, são sempre suspeitos. Você usa óculos? Acredita que nunca me chamou atenção? Deve ser porque eles combinam perfeitamente com sua persona sempre curiosa e ativa. Em nosso próximo café, bissexto ou não, por favor, leve seus óculos pra apresentá-los aos meus. :) beijo grande!!
Carlos, também não gosto de carregar nada nas costas, não uso bolsa grande, aliás, e portanto, meu óculos é sem caixinha mesmo, ele não passeia muito, gosta de ficar em casa, mas quando sai, vai pendurado na gola da camiseta.
35 é plena juventude, rapaz! Espere os 40 e daí a gente conversa - até porque dizem as boas e as más línguas que a vida só começa a partir dai! Beijão!
Mardoce
beijo grande!
A Mulher (meia-idade) estava em frente ao espelho e falou para o marido:
- Nossa !!! marido como meus peitos estão caídos, minha pele está flácida, meus cabelos estão ficando branco, minha barriga está aparecendo, tenho estrias e celulite, que horror !!! Diga alguma coisa boa que eu tenho, por favor.
Ele disse:
- noosssaaa !!! como você exerga bem.
beijos
Vamos pensar pelo lado positivo da coisa: às vezes precisamos ser "seletivos" em relação às coisas que queremos enxergar. Com (ou sem) os óculos, temos o livre arbítrio para ver (ou não) aquilo que, de fato, nos interessa ou nos dá alegrias. É só colocar (ou tirar) o aparato, esticar/encolher os braços e... viver !
Bj grande.
Mônica
beijo grande e volte sempre!