UM DIA NO BOSQUE >> Pedro Cardoso Machado

Quando olho para trás vejo que lá se foram anos e anos, mas para os meus olhos nada mudou. Vejo tudo como antes. É só buscar pela memória, lá, minha infância, minha felicidade, minhas pegadas em cada galho de árvore, tão preservadas. Pulava de uma figueira para outra sem a menor dificuldade, sem o menor risco, eu era um pássaro-menino. Conhecia cada pedacinho daquelas plantas, todas tinham nome, apelido, posição no terreno e época de colher os frutos e as flores... Um paraíso que guardo comigo e que utilizarei para contar minhas travessuras aos meus bem-vindos netos. Prometo que não vou inventar nada, contarei com detalhes cada dia em que lá estive.
O bosque era divino. Aos meus olhos... Uma imensidão verdejante. Além de tudo servia de pasto para a tropa da cavalaria municipal. Os cavalos, meu Deus! Uma tentação indescritível, cada qual mais fogoso e elegante. A despeito do soldado que os vigiava, dos registros que traziam gravados nas ancas, eu colocava nome em todos eles. Ah o Mambo! Uma escultura cor de mel. Mais de 1,85 de cernelha, patas brancas, crina enorme, rabo robusto, passadas cadenciadas e macias. O responsável pela tropa contava que aquele era o predileto do Comandante, que aquele era o animal mais valioso, que aquele era o animal que puxava a tropa no dia Sete de Setembro. Eu o via, embasbacado. Sua postura era mesmo a de um valioso garanhão. Galopar em seu lombo, era tudo que eu mais queria. Eu me via pulando córregos, saltando troncos caídos, correndo por baixo daquelas árvores frondosas que compunham o bosque. O soldado permitia que eu cavalgasse com qualquer um daqueles animais, bastava que eu os pegasse, que eu os laçasse, que eu os capturasse por alguns minutos. Mas o Mambo era o Mambo: arisco, inteligente, malandro, atraente. Eu não tinha um laço, uma corda apropriada para que pudesse agarrá-lo e, mesmo que tivesse, não conseguiria jogá-lo em sua cabeça. Mas o sonho era grande demais, o desejo de tocá-lo era maior que eu. Um dia tive a idéia de fazer uma arapuca com um cipó que tirei de uma gameleira que havia caído com a chuva do dia anterior. Fiquei maravilhado com a idéia de que poderia, enfim, prendê-lo de alguma forma. Tirei o cipó com esmero, com precisão, com um cuidado inimaginável. Finalmente poderia capturá-lo. Fiz um laço enorme. Sabia que não poderia jogá-lo, foi aí que tive a idéia de abri-lo no chão como uma armadilha, de forma que, quando ele passasse por cima do cipó, eu puxaria e prenderia uma de suas patas. Respirei fundo, escolhi uma trilha onde eu pudesse direcioná-lo, de modo que ele não tivesse outro caminho a percorrer senão aquele. Com tudo preparado, toquei o “bicho” como se tangesse um ente de outro planeta. Fomos lado a lado, eu e ele, no mesmo passo, na mesma toada. Quando colocou a pata da frente dentro do círculo, ainda me lembro como se fosse agora, puxei a extremidade do cipó com todas as minhas forças. Ele estava finalmente preso! Um gigante à minha frente. Ele estava ali, dócil, quieto, afável. Pensei... Sou um felizardo. Gritei do fundo da minha alma... Sou o mais feliz dos humanos!
Ah, meu Deus! Aquele dia jamais sumirá de minha caixa de segredos.
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