UM POUQUINHO >> Eduardo Loureiro Jr.

Ubira/PicasaWeb"Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
(João, o Rosa)

Quando eu era criança, e meus pais discutiam, eu me fechava no quarto em busca do calado. Na adolescência, tentava abafar os gritos colocando o volume no máximo. Hoje eu busco o silêncio da música que não grita.

Sento sob o sol, na grama, sobre o orvalho da manhã, e deixo a luz lavar meu frio com seu calor. Aviso que estou ali, cheguei, pronto. Já posso ouvir o canto dos passarinhos. Estou no ponto onde a gente se toca. Pele de gente também pode ser aconchego de sol. Voz de gente também pode ser canção de passarinho.

Existe o caminho da borda e o caminho do meio. Ao redor, se corre. Dentro, se caminha — se camazinha —, pisando de leve nos lençóis da natureza. O córrego escorre sem ter pressa e vai dar num lago com ritmo de tartarugas. Vai dar. Dá. A gente precisa saber certa coisa antes de dar. Uma coisa certa só: dar é já ter recebido — transbordar pra dentro, onde o outro está, quem recebe.

Gastar o olhar feito quem gasta os dentes na pipoca: afiando. Poupar o guardanapo pra poder lamber os dedos. Cobrir de fluidos beijos as pontas desses delicados filamentos. Amar a Si — mesmo. Sentir o amor preenchendo.

Chegar até as cercas. E rir dos farpados. Flagrar os beija-flores amando desescondido, sussurando em fragrantes ouvidos, "Qual é teu nome, flor? Faze de mim o que eu sou." Errar até o mel feito cego no claro, honrar a retidão que há no curvo. Com o coração quentar o sol pra que ele alcance o meio-dia. Chegou, enfim chegou, a hora em que tudo que ouço é poesia.

Lavada a roupa suja — pernas pra que te quero —, estender: braços pra quem me quer. Ser gostoso de pegar, ser bonito de se ver. Olhar a voz, ouvir o cheiro, inspirar a cor. Tocar o bom, o bobo do cordial tambor. Pendurar-se na varanda do lábio sem palavras. Viver com horas desmarcadas.

E só levar consigo o que não puder deixar.





Comentários

Anônimo disse…
Eduardo, simplesmente lindo! Uma massagem na alma e no coração...
E é sempre muito confortante ouvir seus textos falados. União de duas de suas belezas, texto e voz! :)
Anônimo disse…
"E só levar consigo o que não puder deixar."
Parece Pepeta, parece Arthurzinho, parece e é Eduardo Júnior. Pra mim é muito amor e desprendimento. Dá vontade, mas é pra poucos que assim escolhem. Quem sabe um dia... pelo menos um pouquinho.
Beijo, Hebinha.
Grato, Marisa. Espero que você tenha recido a crônica como um presente de aniversário a lhe desejar muitas belezas em seu novo ano de vida. :)
Engraçado, Hebinha, você comentar justamente o final, que eu quase retiro da crônica, justamente por não querer passar esse sentido que você percebeu. Nesse "levar consigo só o que não puder deixar", pode-se levar muito. Acho que não consegui traduzir em palavras o sentimento. Tem coisa que a gente aparentemente, materialmente, deixa, mas na verdade leva, porque não pode deixar. :) E é pra levar esse muito que a gente tem que deixar as coisas sem importância. :)

Eita, acabei enrolando mais ainda. :)
Anônimo disse…
Eduardo, não pude deixar de responder sua resposta. :)
Obrigada por mencionar a crônica como presente, mas todos os seus textos são dádivas aos domingos, independe de ser aniversário ou não. Claro que nesse em especial, ficou com gostinho de brigadeiro preparado por um chef das letras. :)
Carla Dias disse…
"Uma coisa certa só: dar é já ter recebido — transbordar pra dentro, onde o outro está, quem recebe."

Dizer o que depois disso?

Belo texto...

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