RESUMO DOURADO [Debora Bottcher]


Não pretendo que esse seja um texto triste, mas quando falo de dez anos, não posso omitir que exatamente na manhã de 05 de Julho de 1998 eu enterrava meu pai depois de dois anos de batalha contra um câncer. Foi a maior dor que já senti...

Mas foi também há dez anos - em Maio - que conheci meu segundo marido e aprendi de amor, cumplicidade e plenitude, numa relação que perdura com as mesmas bases, renovando-se a cada dia, a cada ano.

Nos últimos dez anos me reinventei: mudei de profissão e me instalei naquele canto de mim que sempre quis ser dona do próprio negócio. Foi preciso quebrar minhas barreiras de acomodação e a eterna inclinação ao pessimismo, para ousar num território desconhecido. A aventura tem rendido realização e prazer, e ainda me permite conciliar a metade de mim que pertence ao mundo das Letras para continuar escrevendo - não tanto, vocês sabem, mas ainda assim com a honra de integrar esse
espaço, onde primeiramente cheguei como leitora voraz.

Também arquivei o projeto de ser Mãe, descobrindo que Maternidade se faz de muitas e diferentes formas, e que não é preciso parir para se ver dentro desse cenário. Com cinco enteados - herdados de dois casamentos anteriores de meu marido -, eu sou o 'sonho de consumo' de muitas mulheres: sou avó - postiça, é verdade, mas isso não tem a menor importância, creiam-me - de quatro crianças adoráveis sem ter tido filhos. Além do que, contrariando a imagem distorcida que atualmente se imputa às madrastas, descobri que uma mulher pode amar os filhos de outra com uma intensidade singular, e o melhor: sem os embates inerentes às relações entre pais e filhos, porque tal condição nos dá mais leveza, um olhar mais complacente, sem cobranças nem pré-julgamentos.

Nos últimos dez anos consegui fazer as pazes com a minha mãe, quebrando o círculo vicioso de distância e mágoa, e com o perdão mútuo vamos traçando uma nova linha de ligação.

Confirmei minha alma cigana e, em dez anos, mudei seis vezes de casa, cada vez reconstruindo um mesmo lar num novo teto - sempre mais bonito, mais aconchegante, mais acolhedor.

Fiz 40 anos - e isso não causou nenhum estardalhaço em mim -, engordei, emagreci, engordei de novo (e ainda não emagreci!), adoeci, me curei. Passei por crises existenciais, emocionais, pessoais: sobrevivi a todas - refazendo-me, renascendo, recomeçando. Chorei - mais do que gostaria, não posso negar -, mas também sorri e ri muito.

Acima de tudo, vivi intensamente, pois foram anos de transição, superação, confirmação, de descobertas e conquistas, de realizações. Talvez tenham sido meus anos dourados e eles me calçam para os anos futuros com esperança, cada vez mais liberdade de expressão, menos peso e, espero, tanta ou mais alegria. Que venham, então, os próximos muitos dez anos - para todos nós!

Imagens: Travesseiro, Autor Desconhecido; Dressmaker's Notebook, A. Inden; Tempo, Flavia e Helena

Expressões Letradas

Comentários

albir disse…
E, mesmo que não sejam dourados os próximos muitos anos, brilharão se vistos através dos seus resumos, Debora.
Paula Pimenta disse…
Debora, adorei a sua retrospectiva, o melhor da gente voltar 10 anos e vir lembrando é perceber o quanto a gente aprendeu e cresceu, né? Um beijo grande!
Debora, com a primeira frase você me deixou com o coração na mão, preso entre os dedos. Depois suas palavras foram aliviando a tensão e liberando meu coração que, leve, voou da palma da minha mão.
Eduardo, querido,
Faz-me rir... :) Vc já não está acostumado aos meus escritos? Dentro de mim mora uma mulher que está sempre dando sustos - em si mesma e nos próximos de si. Depois, se aquieta, se cala, adormece e deixa a vida e os textos seguirem leves. :)

Albir, sempre obrigada pelo carinho. Vc tem uma sensibilidade incrível!

E Paula: quando a gente senta pra fazer resumos, vê que a vida acabou sendo mais generosa do que se imaginava, não? Na proposta do Eduardo, há uma enorme beleza. :)

Beijo pra todos.
Anônimo disse…
Debora, como é bom ter do que lembrar! Olhar para o passado e enxergar uma vida vivida e não apenas sobrevivida.
Bom demais te ler por muitos anos!
Carla Dias disse…
Débora,

Também faz dez anos que nos conhecemos nesse planeta internet, não?

Lembro-me de muito do que você conta na sua crônica e orgulha-me demais vê-la onde está... Como está.

Você é uma vencedora e eu comemoro com você!E torço pelas suas conquistas.
Anônimo disse…
Carla, querida,
Vc foi uma das primeiras pessoas 'virtuais' com quem conversei ao telefone, se fazendo real. Desde então, tantas vezes quisemos nos encontrar e é incrível que ainda não tenhamos nos encontrado, pois há dez anos moro em São Paulo!!! Acho que quando acontecer, será daqueles encontros mágicos e felizes. :)
Obrigada pelo carinho, bonita. Vc também teve uma trajetória de sucesso, que todos nós acompanhamos - e sempre que vejo o 'Altas Horas' lembro ainda mais de vc! :)
Um beijo enorme.

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