O PRIMEIRO NATAL >> Eduardo Loureiro Jr.

Nativity of Jesus Christ by Hans Rottenhammer
"Ele virá...
Quem nasceu para sempre pra sempre virá;
é uma eterna semente solta pelo ar,
fecundando de felicidade por onde for."
(Paulinho da Viola)

Astrônomos pesquisam novas estrelas no céu. Astrólogos calculam sinais. Famílias sem teto buscam um lugar para passar a noite. Crianças nascem. Pessoas cantam. Anjos passeiam, despercebidos de muitos, aparentes para alguns.

Eu olho o mundo, farejando o instante do tempo sem tempo. Procuro no céu de hoje a estrela que há muito brilhou. Pergunto em que improvável lugar a família abençoada passará a noite. Faço silêncio para ouvir o canto. E espremo os olhos para entrever a imatéria dos anjos.

Se minha fé for do tamanho de um grão de mostarda — penso —, a montanha do tempo desaparecerá. Eu estarei em Belém. Sentirei o cheiro forte de José e mirarei Maria com olhos de paixão e joelhos de reverência para com sua barriga: bela e redonda. Tímido — e assustado com a inexistência do tempo —, procurarei uma pedra em que me sentar: "Não se preocupem comigo, só quero assistir."

Quando a hora chegar, chegou. Meu cochilo cansado interrompido por um grito de Maria. E José:

— Segure aqui!

— Eu?!

— Você não pode ficar só assistindo.

— Mas, senhor, eu nunca...

— Sempre, meu rapaz. Sempre.

Eu seguro o sorriso de Maria entre as contrações. Ela sorri feito minha mãe, minhas tias, minhas irmãs, minhas mulheres, minha mulher. Ela sorri feito Maria, porque quem sorri — percebo agora — é Nossa Senhora, uma luz branca cheia de toda e cada cor. Sim, mãe só tem uma: toda mãe é uma só.

— Somos o mesmo filho.

— Você não se importa de não ser o pai?

— Eu também sou o filho.

— Parece um sonho.

— Um sonho que desfaz os sonhos.

— São anjos?

— Os primeiros raios da luz.

— Ele está vindo?

— Feche os olhos.

— Ele está aqui.

— Você também.

— Ele sabe que está aqui. Mas é só uma criança...

— Só se você abrir os olhos...

— Maria está bem?

— Ela é o bem.

— Por que estou aqui? Por que eu?

— Você não está sozinho.

— Quem são eles?

— Eles são sãos.

— Os leitores?!

— Sãos.

— Posso abrir os olhos?

— Você sempre pode. Mas tente não se iludir.

— Eu não imaginei que seria assim.

— Segure aqui.

— Eu não sou digno.

— Segure-o.

— Eu...

— Não se deixe iludir.

— Eu sou.

— Ele está sorrindo pra você.

— Ninguém vai acreditar.

— Todos estão acreditando.

— ...

— Está na hora de ele mamar.

— Por que Maria não fala?

— Feche seus ouvidos para escutar.

— Ela está cantando...

— Uma canção de acordar.

— Sim, estou ouvindo.

— Todos estão.

— Grato por meu primeiro Natal.

— Nosso.

Comentários

Mari Monici disse…
Que emocionante Eduardo...belo texto. otimo Natal pra vc!
Um abraço
Mariana
Anônimo disse…
Oi, Edu!

Na espiritualidade cristã chamaríamos a essa sua crônica, contemplação.

Linda viagem para além do tempo.

Que seu Natal seja pleno e por ser plen, seja feliz.

Beijo,
Carla Dias disse…
Eduardo,

Belíssima crônica... Pensamento admirável.Que lembrança boa sobre o que realmente importa.
Anônimo disse…
O primeiro... o trazer à vida dos sentidos o conceber do ir de encontro; fé nas possibilidades do todo...

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