DAQUI A POUCO É DEPOIS? >> Carla Dias >>
Fosse o hoje um ontem travestido de agora... Desculpem-me, mas o tempo me fascina, assim como fascina a um amigo querido. Conversamos muito a respeito do tempo, não só sobre a forma como ele passa para cada um de nós, mas também sobre como não permitimos que ele passe, por medo do que virá ou até mesmo por comodidade.
Sei que, talvez, melhor fosse contar como passei meu Natal, celebrar prós e prometer melhoras aos contras. Mas só consigo pensar no que deixamos passar ao fecharmos os olhos para o que realmente importa. Porque somos seres humanos e uma das nossas falhas mais freqüentes é deixarmos passar.
Em algum momento da minha infância, essas celebrações foram importantes de uma forma peculiar. Não se tratava dos presentes, nunca acreditei em Papai Noel, mas encantavam-me os olhares das pessoas, sabe? Eram mais acolhedores, mais esperançosos. Apontavam para um futuro em que o amor seria como as roupas que minha mãe deixava quarar no sol de terça-feira qualquer: limpo, claro, perfumado. Honesto.
Com o tempo, vem a indiferença humana sobre a magia das coisas. Cuidássemos dessa possibilidade como cuidamos da ceia de natal, das bonecas e carrinhos, dos mimos, quem sabe a magia daria naquele lugar que os olhares que eu colhia alcançavam. Pois posso até ter minhas ressalvas sobre como muitos de nós, inclusive eu mesma, lidam com as verdadeiras importâncias. Mas não questiono nossa capacidade de voltar ao início das coisas e seguir adiante com o coração repleto dessas boas intenções - e o desejo verdadeiro de colocá-las em prática - que a maioria só se permite pensar contemplar e vivenciar em datas determinadas em um calendário.
Amor, respeito, presença, amizade, fé, busca, companheirismo... Há muito o que se viver antes, durante e depois das datas comemorativas. Que essas datas sirvam de ponto de encontro, mas espero que não se tornem momentos únicos, durante um ano inteiro.
Daqui a pouco é depois?
Daqui a pouco é depois, sim. Minha sobrinha me fez esta pergunta, ontem, e fiquei matutando sobre a mesma, desde então. E nem tive a coragem de questionar a origem deste questionamento. Só posso dizer que, apesar de daqui a pouco ser depois, espero que aprendamos a manter neste depois todas as boas coisas deste antes. Que não morram de sede nossos sonhos. De fome nossas benfeitorias. De solidão nossos afetos.
Escrevi esta crônica ouvindo Drops of Jupiter, do Train, no repeteco. Esta música, para mim, tem gosto dos últimos segundos antes de cair no sono numa madrugada de Natal, depois dos presentes e da farra. Daqui a pouco é depois e, para aquele daqui a pouco da minha infância, cheguei ao depois que é hoje, e me lembra aqueles olhares... Através desta canção.
Um brinde à magia da memória!
E ao tempo: bem-vindo.
Comentários
Sobrinhas... pequenas sobras de tudo que é bom. Idéias, pensamentos que sobraram, que escaparam do pacote fácil, quadrado. Palavras que sobrinharam.