Ó RAIOS! (Segunda Parte) >> Albir José Inácio da Silva

PRIMEIRA PARTE

Seu Manuel resmungava, mas nada podia fazer, ela estava na rua e a rua é pública. À noitinha distribuía gratuitamente as flores que não vendia, e era nesse momento que o quitandeiro mais se revoltava.

O reumatismo era apenas uma das manifestações da velhice que finalmente descera sem pena sobre Dona Rosa. Na segunda de manhã ela mandou chamar o Pício. Quando ele chegou, o caixote de flores já o aguardava.

— Uma é dois, três é cinco e cinco por dez.

Seu Manuel não subiu nas tamancas parque já estava nelas, mas tamanqueou o chão enquanto esbravejava:

— Agora melhorou! Tenho também de trabalhar para os outros! E ainda por cima é maluca essa velha. Onde já se viu três por cinco e cinco por dez?

Resmungou o dia todo, mas vendeu algumas flores, fez as contas e mandou entregar o dinheiro. Mandou também, de volta, as flores que restaram.

Caduquice ou não, a verdade é que Dona Rosa recebeu o dinheiro e esculhambou o Pício por causa das sobras.

— Ó imprestável, que é que eu vou fazer com estas flores? Não sabes tu, e não sabe a besta do teu patrão, que deves distribuir as flores que sobraram?

Voltou o Pício com as flores, distribuindo algumas já pelo caminho. O quitandeiro esperneou e vociferou que a velha estava-lhe saindo melhor que a encomenda. Quando, no dia seguinte, Pício confirmou a distribuição, Dona Rosa quis saber:

— Aprendeste tu ou aprendeu o paquiderme do teu patrão?

O caixeiro, para evitar os maus bofes de ambos, cumpria a rotina sem comentar com um e outro os azedos comentários que ouvia. Dona Rosa despachava as flores, recebia o dinheiro e, uma vez por semana, entregava uma lista de compras.

A saúde piorou e Dona Rosa não conseguiu mais limpar o jardim e colher as flores.  Pício chegou de manhã e ela continuou deitada. Ele percebeu então que o mato tomava conta do jardim e os botões estavam sufocados pelo capim e ressequidos pela falta de água.

— Seu Manuel, acho que não vai mais ter flores não – disse o Pício quando voltou.

— Melhor! Um aborrecimento a menos!

Mas durante todo o dia encheram-lhe o saco perguntando por flores. Não se lembrava dessa procura toda. E a coisa piorou no final do dia, com as caçadoras de brindes florais. Mesmo quando não vinha nem mandava flores, a velha dava trabalho.


(Continua em 2 de novembro)

Comentários

Zoraya disse…
Albir, isso é muita crueldade! Meu lado romântico aguarda, curiosíssima!
Zoraya disse…
curiosíssimo

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