O CAMINHO DO DESTERRO >> Eduardo Loureiro Jr.
Minha mãe é uma graça: diz que, quanto mais reza, pior a coisa fica. E eu, que não sou ministro da eucaristia nem conselheiro nem nada, digo para ela que, se com reza está assim, imagine sem reza. E lhe peço: continue rezando aí que eu continuo rezando cá.
Minha reza é um tiquinho diferente da de minha mãe. Ela reza para Nossa Senhora, "depois deste desterro, mostrai-nos Jesus". Eu me aconchego no colo de Nossa Senhora, enquanto peço direto a Jesus:
— Meu irmão, me diga aí como foi que vim parar neste desterro?
— Ué, esqueceu do caminho? — ele perguntou, sorrindo esperto.
— Que caminho? — tentei dar uma de João-sem-braço.
— Você acha que foi parar aí como?
— Sei lá! Destino, castigo divino, má vontade dos outros...
— Tolinho — Jesus gargalhou. — Você foi caminhando, passo a passo, sem ninguém empurrando.
E como eu fizesse cara de tristeza, ele resolveu me contar:
— Minha mãe, segure bem esse menino, não deixe ele escorregar, que eu vou descrever o caminho do desterro pra ele...
Eu ainda pensei em pedir uma chupeta pra Nossa Senhora, mas resolvi ficar calado.
— O caminho para o desterro começa no que você chama de amor.
— Justo no amor? — arrisquei.
— No que você chama de amor. Fique atento aos seus pensamentos tortos enquanto eu falo as coisas certas. Você ama a Deus?
— Claro.
— Vamos ver... Você ama o próximo?
— Amo.
— Tem certeza?
— Amo tanto que, quando não estou mais amando, saio logo de perto para não ficar mais próximo daquela criatura.
— Esses moços... deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno à procura de luz.
— Epa, isso aí é Lupicínio Rodrigues.
— Não posso citar meu irmão Lupicínio?
— Mas ele é ateu.
— Só da boca pra fora. E você?
— Sou ateu não, já falei que amo a Deus.
— Tô querendo saber se você ama a si mesmo.
— Que pergunta é essa?
— Ama-se ao próximo como a si mesmo. Se você está fugindo do próximo...
— Mas não tem como eu fugir de mim mesmo.
— Ah, tem...
— Tem?
— Tem.
— Como?
— Não se olhando bem fundo até o dedão do pé?
— Eu conheço isso aí...
— É Gonzaguinha.
— Isso. Mas me diz uma coisa... Você não tem umas falas originais, não? Fica só repetindo compositor de MPB.
— Quer que eu comece a citar compositor de forró universitário?
— Não, MPB tá bom. E confesso que dou minhas escapulidas de mim mesmo. Mais alguma pergunta.
— Uma última, só pra desencargo de consciência. Você ama seus inimigos?
— Você pode me tirar uma dúvida antes?
— Sim, meu irmão.
— Essa história de amar os inimigos não é bem assim, né? Deve ter sido algum erro de tradução do aramaico pro grego, depois pro latim, depois pro português, né?
— Nisso a tradução foi perfeita. Amar o inimigos e ponto final. Tá amando?
— Você deve estar louco.
— Faz mais de dois mil anos que me dizem isso. Suponho que a sua resposta é não.
— Estou condenado eternamente ao desterro?
— Tenha fé em Deus, tenha fé na vida.
— Mas Raul Seixas não era satanista?
— E se fosse?
— O diabo é seu inimigo.
— Tenho o maior amor por ele.
Olhei para o rosto de Nossa Senhora para ver se encontrava algum olhar do tipo "esse meu filho não leva mesmo jeito", mas só encontrei um olhar amoroso para seus dois filhos. Dei-me por vencido, fechei os olhos e tirei um cochilo naquele colo gostoso.
Minha reza é um tiquinho diferente da de minha mãe. Ela reza para Nossa Senhora, "depois deste desterro, mostrai-nos Jesus". Eu me aconchego no colo de Nossa Senhora, enquanto peço direto a Jesus:
— Meu irmão, me diga aí como foi que vim parar neste desterro?
— Ué, esqueceu do caminho? — ele perguntou, sorrindo esperto.
— Que caminho? — tentei dar uma de João-sem-braço.
— Você acha que foi parar aí como?
— Sei lá! Destino, castigo divino, má vontade dos outros...
— Tolinho — Jesus gargalhou. — Você foi caminhando, passo a passo, sem ninguém empurrando.
E como eu fizesse cara de tristeza, ele resolveu me contar:
— Minha mãe, segure bem esse menino, não deixe ele escorregar, que eu vou descrever o caminho do desterro pra ele...
Eu ainda pensei em pedir uma chupeta pra Nossa Senhora, mas resolvi ficar calado.
— O caminho para o desterro começa no que você chama de amor.
— Justo no amor? — arrisquei.
— No que você chama de amor. Fique atento aos seus pensamentos tortos enquanto eu falo as coisas certas. Você ama a Deus?
— Claro.
— Vamos ver... Você ama o próximo?
— Amo.
— Tem certeza?
— Amo tanto que, quando não estou mais amando, saio logo de perto para não ficar mais próximo daquela criatura.
— Esses moços... deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno à procura de luz.
— Epa, isso aí é Lupicínio Rodrigues.
— Não posso citar meu irmão Lupicínio?
— Mas ele é ateu.
— Só da boca pra fora. E você?
— Sou ateu não, já falei que amo a Deus.
— Tô querendo saber se você ama a si mesmo.
— Que pergunta é essa?
— Ama-se ao próximo como a si mesmo. Se você está fugindo do próximo...
— Mas não tem como eu fugir de mim mesmo.
— Ah, tem...
— Tem?
— Tem.
— Como?
— Não se olhando bem fundo até o dedão do pé?
— Eu conheço isso aí...
— É Gonzaguinha.
— Isso. Mas me diz uma coisa... Você não tem umas falas originais, não? Fica só repetindo compositor de MPB.
— Quer que eu comece a citar compositor de forró universitário?
— Não, MPB tá bom. E confesso que dou minhas escapulidas de mim mesmo. Mais alguma pergunta.
— Uma última, só pra desencargo de consciência. Você ama seus inimigos?
— Você pode me tirar uma dúvida antes?
— Sim, meu irmão.
— Essa história de amar os inimigos não é bem assim, né? Deve ter sido algum erro de tradução do aramaico pro grego, depois pro latim, depois pro português, né?
— Nisso a tradução foi perfeita. Amar o inimigos e ponto final. Tá amando?
— Você deve estar louco.
— Faz mais de dois mil anos que me dizem isso. Suponho que a sua resposta é não.
— Estou condenado eternamente ao desterro?
— Tenha fé em Deus, tenha fé na vida.
— Mas Raul Seixas não era satanista?
— E se fosse?
— O diabo é seu inimigo.
— Tenho o maior amor por ele.
Olhei para o rosto de Nossa Senhora para ver se encontrava algum olhar do tipo "esse meu filho não leva mesmo jeito", mas só encontrei um olhar amoroso para seus dois filhos. Dei-me por vencido, fechei os olhos e tirei um cochilo naquele colo gostoso.
Comentários
Um dia eu chego nesse desterro... Linda crônica, Lindo.
Por isso cada um deve encontrar a resposta por si. ;)
Lembrei de um minúsculo poema antigo:
A solução
do soluço
é um susto.
O humor facilita a escrita e a leitura. :)