DAS NOVAS AVENTURAS >> Cristiana Moura

De cara encantei-me com as entrelinhas da nova aventura, conferindo-me a possibilidade de respostas inusitadas a perguntas comuns.

— Cris, o que você vai fazer amanhã?
— Depende do vento.

Às vésperas dos meus quarenta e dois anos, descobri uma nova paixão — o kitesurf. Para quem desconhece, é aquele esporte aquático que empresta ao azul do céu cores diversas com suas pipas. A pessoa, em cima de uma prancha, é levada pelo vento através da tal pipa multicor.

Ontem me preparei toda para mais uma aula. Logo cedinho choveu e em seguida abriu um solão. Ah, mas logo depois de chuva, isto eu desconhecia, não tem vento. Ontem não velejei. Primeiro aprendizado: depende do vento. Essa ausência de controle trouxe ao meu cotidiano uma leveza-verdade tal. Porque me vejo, tantas vezes, tentando controlar a vida em gestos vazios de excessiva prudência. Esse tal controle da vida, além de cansativo, é ilusório. Minha ilusão foi levada pelo vento.

Antes da ausência do vento de ontem eu já havia experimentado outras aulas. Primeira aula: montar o a pipa e aprender a controlá-la no que eles chamam janela de vento. Olha aí o tal controle de novo! É estupendo! Preciso controlar a pipa através do que não controlo, o vento. Para que dê certo, preciso ser amiga do tal vento, usá-lo a meu favor e deixá-lo me levar. Para minha surpresa, o manejo da pipa não requer força, pelo contrário, é composto de movimentos leves e sutis. Se colocar força, ou a pipa cai ou ela me derruba.

À medida que sinto o vento na minha pele, consigo senti-lo melhor na pipa. Segundo aprendizado deste novo esporte: é preciso base, enraizamento. É a mesma base que se fala nas artes marciais e terapias corporais. É quando a gente diz: "Fulano tem os pés no chão". A pipa é montada e descolada na areia, com os pés bem firmes no chão e o os braços leves. Eu, fora de forma e bem acima do peso, fiquei me sentindo, em meio aos homens musculosos sendo derrubados na areia. Nos últimos vinte e quatro anos essa tal base é o que mais tenho aprendido nas terapias por onde ando.

No encanto das novas experiências, preciso aprender a manter-me firme na água, este chão que se move. É, a tal segurança, tantas vezes confundida com controle, ilusão levada pelo vento, não está no outro, não está no chão no qual piso, está em mim mesma. E vou, agora, começando a aprender a sustentar-me em um chão de ondas.

Há dois meses, meu filho entrou na universidade. Fiquei cheia de orgulho e com uma sensação de missão cumprida. Mais ou menos duas semanas depois do início das aulas, eu sentia-me meio vazia por dentro, digo mesmo melancólica. Não reconhecia que tais sentimentos vieram junto com a estranheza da nova vida de mãe de adulto — meu chão havia mudado sem que eu me desse conta.

Aí, ao buscar manobrar a pipa de dentro d’água, entendi que quando o chão muda eu tenho que mudar também. Porque se não mudo, eu caio. E vou caindo e aprendendo.

No começo se entra no mar com a pipa , mas sem a prancha. No primeiro dia, depois de alguns minutos na delícia de ser levada no mar, perdi a pipa. Não soltei a barra de manejo quando deveria e ela se desprendeu de mim. No segundo dia, já manobrando a pipa um tantinho melhor, a vida havia se transformado em uma brincadeira entre a pele e a água, uma montanha russa no mar, com direito a sorrisos, gritos e frio na barriga. No meio do prazer aquático — a certeza da nova paixão.

Terceiro dia: subir na prancha. Numa mão a barra de manobra e a pipa presa pela cintura, na outra a prancha. Há primeiro que se passar as ondas, o que não é assim tão fácil. Vai, volta, vai, volta, vai, passei! Agora é dividir o peso do corpo entre a água, a pipa e os pés se encaixando na prancha. A prancha escorrega. Mais uma vez. E outra. Acertei! Respiro fundo com o coração já acelerado.

Por fim, é juntar este controle na ausência de controle na amizade com o vento e o equilíbrio sobre a água. Tibum! A queda. Cair na água tem uma felicidade infantil que, na boca da minha avó, chamava-se fazer arte. Tibum! Outra queda. Tibum! Tibum! Tibum!

Posso ouvir a voz da minha mãe atravessando os tempos:
— Baixa o facho, Cristiana, parece que tem fogo no rabo!
— Baixo não — sussurro em pensamento.

Comentários

Cris, muito bonito seu primeiro facho aqui no Crônica do Dia. Seja bem-vinda! :)
Zoraya disse…
Adorei o último parágrafo! Bem-vinda, Cris! Bejios
albir disse…
Bem-vinda, Cristiana! E parabéns pelo texto de estreia. Já estou aguardando o próximo.
Carla Dias disse…
Belo texto de estreia! Bem-vinda Cristiana.

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