DE MÃOS DADAS COM BATMAN [Ana González]

Talvez sua mãezinha estivesse com o pensamento em diferentes questões que as dele, que vivia um momento quase solene. Era a primeira vez que colocava a roupa. Seus olhos não enxergavam a realidade, a rua e os passantes apressados, as vitrines cheias de bolas de Natal e enfeites coloridos. Nem percebia os buracos pela calçada e as buzinadas desnecessárias do congestionamento. Nem a poluição ou corrupção se misturando à luz do sol e às nuvens macias. Talvez vissem apenas o que só ele poderia descrever. Ninguém mais. Seria impossível perceber o quê. Naquele momento, ele incorporava seu herói. Batman, sem a máscara. Era o espírito que interessava. E talvez ele não tivesse os detalhes da Gotham City, o ambiente soturno das aventuras, os motivos de seu herói. Não precisava.

Depois da infância, aos poucos, vamos perdendo essa capacidade. Ou necessidade. Para que serve um herói? Também a adolescência hoje em dia não comporta mais heróis. Tal panteão foi esvaziado. Não existe mais espaço para grandes gestos e ações generosas. José Junior, coordenador da AfroReggae, disse: “Os heróis de Cazuza morreram de overdose, os meus morreram de tiro”. Tal constatação põe em evidência o contexto em que vivemos.
O pensamento mágico que possibilita o trânsito para o terreno dos deuses e heróis se perdeu, se diluiu. Por onde andam nossos heróis? Às vezes, resistem no cinema. Quem sabe andam encurralados em recantos de um mundo duro que insiste em expulsá-los. Maltratados, alguns até claudicam, outros manquitolam. Porém, só eles podem nos salvar da maldade e da dor. Sua proximidade pode nos resgatar para o sonho e a imaginação de um mundo melhor. Junto deles, somos poderosos. Eles carregam a imagem que suporta nossas faltas e nos ajudam a tolerar a realidade. Para eles transferimos nossas aspirações, mesmo que, muitas vezes, na idade adulta, eles permaneçam escondidos, em alguma dobra de nosso ser.

Volto meu olhar para o pequeno vestido a caráter. E ele sequestra minha imaginação. Sem tempo a perder, trazida da memória de minha infância longínqua, reencontro a Mulher Maravilha, que brota desse baú trazendo-me as botas de cano longo, o cinturão que marca o corpo, com as estrelas na tiara da testa e na saia curta. O cabelo curto se transforma em largo ondulado escuro.
Vou libertar essa criança - esse meu Batman preferido - de sua mãezinha para carregá-lo a um passeio. De mãos dadas, saímos voando entre as nuvens e nos perdemos em uma amplidão transparente. Rimos entre as visões das montanhas tão distantes e das estrelas tão mais próximas. Voltamos sem temor ao planeta em que habitamos preparados para a aventura. Temos o poder. Ele tem habilidades especiais e o gesto que salva. Eu alivio com o pó de perlimpimpim os esquecidos, os oprimidos, os doentes de toda a miséria humana. Somos uma dupla imbatível.

Não duvide desse intervalo dentro da realidade. É só uma fresta na vida, outra perspectiva. Coisa rápida, mas indispensável. Curativa. Vestir-se de herói é promessa de mudança. Traz a esperança. Aproveite a ideia. Além do mais, é Natal - e a magia do amor pode até ser encontrada no ar.
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Odila Weigand