SAÚDE E PROVIDÊNCIA
>> Albir José Inácio da Silva

Seu Pedro ficou indignado quando na rua lhe disseram que lugar de velho era na rede ou na cadeira de balanço. Teve ganas de dizer que o outro também ficaria velho, que a mãe do outro já deveria ser velha, e outras imprecações que não chegou a proferir. E era melhor que mantivesse a indignação porque acabou concordando que lugar de velho é mesmo na rede, no asilo ou no cemitério.

Mas os transeuntes não são os únicos a se incomodar com sua lerdeza. O governo culpa a velhice interminável pelo déficit da Previdência. Os planos de saúde reclamam porque quem vive mais tem mais tempo para ficar doente. Há uma lista de doenças permitidas de acordo com a categoria do cidadão, que só conta com a providência divina para adoecer de moléstia coberta pelo seu plano.

Seu Pedro não gosta de incomodar ninguém, e agora virou um estorvo. Claudica pelas ruas ouvindo a respiração impaciente dos que querem passar para seus trabalhos, sua produtividade. No ônibus, demora pra subir, pra sentar e pra descer, o que atrasa a viagem de todos. Já não prepara sua comida, nem calça sozinho as meias. Há sempre alguém, que poderia estar cuidando da própria vida, obrigado a se ocupar dele.

Há ainda os que não reclamam com palavras, fazem isso com a cara e os gestos. Ele fica feliz com a presença da parentela, mas está cada vez mais tímido, como se não quisesse impor sua presença, sua tosse, seu tremor. Claro que existe sempre a alternativa do asilo. Mas lá não gostam de velho, gostam de dinheiro. E os parentes também não gostam de lá, nunca aparecem.

Seu Pedro caminha como se pedisse desculpas por essa velhice tão demorada. Não pretendia ficar tanto tempo aqui. Não é sua culpa. É que sempre trabalhou muito porque era bonito ser trabalhador. Sempre comeu pouco porque era feio ser guloso. Nunca foi de noitadas porque foi assim que lhe ensinaram. Agora dizem que não é certo viver muito. De que adiantou tanto juízo?

Já ouviu que em alguns lugares os velhos valem porque são velhos, pelo que sabem e pelo que já fizeram. Recebem homenagens e são paparicados pelos mais jovens, que ficam honrados em cuidar deles. Mas não aqui. Ele já não trabalha, é um peso morto para a sociedade que lhe paga a aposentadoria, e para a família, porque os remédios consomem boa parte dos seus recursos.

Ainda bem que Seu Pedro acredita no Paraíso, para onde acha que vai em breve. Lá não vai atravancar a passagem de ninguém. Lá não vai incomodar parentes com os seus achaques. Os médicos serão muitos e de graça. E também os remédios que, aliás, nem vai precisar.

Mas o melhor de tudo é que todos serão velhos. Não com oitenta, noventa, mas com centenas, milhares, milhões de anos. E lá os velhos nunca são maltratados. Afinal, o mais velho de todos é o chefe.

Comentários

Solom ;) disse…
Peso morto, antiquado, vencido, contudo vencedor!
Belo texto, Albir... E é mesmo uma pena que haja tanta impaciência e desrespeito com nossos velhinhos... Fiquei com o coração apertado por causa do 'Seu Pedro'.
Beijo pra vc.
Vicente Lima disse…
Seu Predro, chara de São Pedro
Em belo lugar sei qu vais morar
Sem angustia ou desespero
Sem ser encomodado, nem em comodar
Muitos pra lá já foram,
E outros ainda chegaram para o [acompanhar]
Vivemos no mundo frio
Aquecido pelo amor,
Dinheiro, sexo porno, são amazios [com grande louvo]
Esperansa nunca se perde
Só se destila no ar
Mas quem quer um dia consegue
Ela reencontrar.

Very good the its story.
Parabéns.
Albir, você tem a doce mania de me fazer apaixonar por seus personagens. :)

Bjs
Unknown disse…
Curte demais o Blog! Estará sendo seguido! Tenho um Blog de Crônicas também... claro que são um anúncio de classificados perto destas, but...

http://dbuenas.blogspot.com/

... adoro escrever!
albir disse…
Solon,
obrigado por seus comentários e sua presença sempre.

Pois é, Debora, é assim que eles precisam ser enxergados. Como você os vê. Beijos.

Vicente,
obrigado. Volte sempre.

Marisa,
os personagens, como os cronistas, também são apaixonados por você.

Douglas,
terei prazer em ler suas crônicas. Obrigado.
Albir do bom humor e das tiradas geniais, como essas: "tímido, como se não quisesse impor sua presença, sua tosse, seu tremor"; e "Nunca foi de noitadas porque foi assim que lhe ensinaram. Agora dizem que não é certo viver muito. De que adiantou tanto juízo?".
albir disse…
Edu,
obrigado sempre pelo incentivo.

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