SE ME VER, NÃO BUZINE >> Fernanda Pinho
Voltei a dirigir. Tive um rompante e decidi renovar minha
carteira de motorista. Conquistada há dez anos e com validade vencida há cinco,
nunca foi para mim mais que um documento funcional com foto, RG, CPF e ainda
uma capinha protetora, ótima para guardar dinheiro e cartão. Mas chega uma hora
que a necessidade fala alto e a implicância das pessoas - "mas por que
você não dirige?" - grita. Já havia passado uma década, afinal. Era hora
de vencer o medo. O medo alheio, diga-se de passagem. Sim, porque se você sabe
a minha idade e é razoável em matemática deduzirá facilmente que eu tirei
carteira aos 18, sem a menor dificuldade. Posso dizer? Era uma prodígio na
autoescola. E confiava que poderia dirigir por aí como fazem as pessoas
normais depois de serem aprovadas na prova do Detran. Já os meus pais...
Sabe a cara que as pessoas fazem quando batem o dedinho do
pé numa quina, ou quando estão assistindo a uma cena de agonia máxima de um
filme de terror, ou quando estão sentadas numa cadeira de dentista vendo o
motorzinho se aproximar? Então. Era algo assim - mas um pouco piorado - que eu
via nos rostos dos meus progenitores sempre que dirigia com um dos dois ao meu
lado. Uma pitada de superproteção, uma dose cavalar de impaciência com a
principiante e pronto! Perdi a paciência também. Se era para ver minha mãe
sofrendo daquele jeito, era melhor andar de ônibus.
Desisti e permaneci na desistência até cerca de dois meses
atrás (sem sentir muita necessidade de desacomodar, essa é a verdade). A
primeira saída de carro depois desse hiato, claro, não poderia ser sozinha. E
lá fui eu, toda ingênua, com meu pai a tiracolo. O fato de eu ter me tornado
uma adulta nesse ínterim criou em mim a doce ilusão de que as coisas seriam
diferentes. E foram. Pra pior. Arranquei o carro na porta da minha casa e antes
de atingir a próxima esquina (cerca de 12 segundos depois) recebi a primeira advertência: "Seu problema é que você tem mania de
pisar fundo no acelerador". Nunca desejei tanto ter um dicionário à mão
para ler para o meu pai o conceito da palavra "mania" e fazê-lo
refletir sobre a impossibilidade de eu ter desenvolvido uma "mania"
em 12 segundos. Mania mais instantânea que Miojo. Que talento. Mas ele próprio,
acho, caiu em si e escapou botando essa na conta da genética. "É que sua
mãe tem essa mania. E você é igual a ela". No quarteirão seguinte, desisti
de novo.
Saí do carro resmungando que eu não precisava passar por
aquilo, que não dependia de carro, que não dependia de ninguém, que eu poderia
chegar a qualquer lugar sem dirigir e mais um monte de blablablá, que eu nem
prestei atenção porque sabia que era blablablá. Dessa vez, havia uma disposição
nova.
Tentei de novo. E de novo. E tenho tentado. Ainda confundo
esquerda com direita. Ainda olho discretamente para baixo na hora de passar
marcha. Ainda não conheço os melhores caminhos. Ainda não tenho destreza para
ver um conhecido na rua e dar uma buzinadinha. Ainda me acho incapaz de usar um
GPS (“Daqui a seis metros, vire a esquerda”. Ok. Mas eu não faço ideia do
tamanho de seis metros. Será que não tem uma unidade de medida melhor? Tipo:
"Daqui a seis casinhas com telhado colonial, vira a esquerda"?). E,
principalmente, ainda não sei estacionar. Mas essa parte a gente disfarça.
Outro dia, manobrava para entrar de frente numa vaga no estacionamento de um
supermercado. Manobra vai, manobra vem... "Para tudo, Fernanda". Era
minha irmã. "Acho que já estamos estacionadas”. E assim, consegui a
façanha de estacionar na vaga de trás, tentando entrar na vaga da frente. O que
importa? Apenas que eu consegui. E estou dedicada para conseguir cada vez mais.
Portanto, população de Belo Horizonte, recolham as crianças
e apertem os cintos. Estou na pista.
Imagem: www.sxc.hu
Comentários
Bjus
Loreyne
Vou ser figura fácil aqui às quintas.
E lembre-se: use sempre o cinto de segurança!
Beijo