ABANDONA NÃO, EDUARDO
>> Eduardo Loureiro Jr.

Tenho uma longa história de abandonos. E fique tranquilo o leitor, porque não bancarei a vítima nesta crônica já que muitas das vezes eu fui não o abandonado, mas o abandonador.

Uma das coisas boas de envelhecer é que as coisas começam a se repetir na vida da gente, como se a vida fosse um video game ou um "feitiço do tempo". Essa repetição nos dá a oportunidade de trocar o lamentoso "a vida não é justa comigo" pelo investigativo "será que sou eu mesmo que estou criando isso vez após vez?".

Esses dias, tenho sentido minha velha vontade de abandono se aproximar de mim, nova e perigosamente. E tenho me lembrado de dois outros abandonos: o do Circus e o do Labirinto.

"Circus" era o nome de uma pequena exposição de poesia e artes plásticas que eu e Fabiano, auxiliados por outr'Os internos do pátiO, fizemos como trabalho final da disciplina Arte na História, ofertada por nossa então mestra e hoje também amiga Luiza de Teodoro — e isso já faz vinte anos. Com as paredes do pátio cobertas de traços e versos, tudo pronto para a inauguração, eu inventei de abandonar o Circus feito um palhaço triste demais para uma comemoração.

o Labirinto foi uma megaexposição realizada há sete anos no Museu de Arte da UFC como etapa final de um doutorado coletivo, do qual participaram também Fabiano, Andréa e Paulo. No último dia da exposição, que durou um mês, banquei mais uma vez o abandonador e não apareci para dançar a derradeira ciranda.

Agora estou na reta final de um novo projeto coletivo e, percebendo a ânsia de abandono se repetir, escrevo esta crônica como quem desembainha a espada para enfrentar um dragão de várias cabeças.

No aço polido da espada, que funciona como um espelho, posso ver o motivo — ou pelo menos a desculpa — de minha ânsia de abandono: a sensação de achar que dei demais, trabalhei demais, me esforcei demais, enquanto as outras pessoas envolvidas não fizeram o mesmo. Então arrumo tudo, deixo tudo funcionando, mas abandono no final, não fico para o brinde ou para a ciranda.

O novo dragão que tenho pela frente é o final da fase de financiamento colaborativo do primeiro livro do Crônica do Dia, o "Acaba Não, Mundo", cujo período de captação de recursos termina no próximo dia 25 de julho. Título sugestivo, aliás, porque pode ser facilmente adaptado para "Abandona Não, Eduardo".

Claro que, pelas muitas voltas que essa história de abandono já deu, sei que o projeto em si não corre riscos, pois, antes do abandono, eu realizo. E também já não tenho mais a cara-de-pau de fazer um novo abandono físico, do tipo "não aparecer" em um dos lançamentos. Essas cabeças de dragão, eu já decepei.

E, para não ficar anos e mais anos nesse degolar de cabeças, uma a uma, estou resolvido a extirpar logo a cabeça principal, para que as outras despenquem por si mesmas. A cabeça maior, aquela que está no centro, a que tem os olhos acesos e cospe fogo, é a cabeça do abandono não dos projetos, não dos outros, mas do abandono de mim mesmo.

O leitor que me perdoe a sessão escrita de terapia, mas agora está vindo à minha mente uma cena de infância: a final de um grande evento num domingo à noite, em um ginásio lotado. Perdi-me de meus pais. "Eles me abandonaram", deve ter pensado a criança que fui. "Ou então eu larguei da mão deles", pondera o escritor que sou, sempre em busca de uma solução mais engenhosa.

Talvez tenha sido eu que, curioso, tentado por um brinquedo ou por uma guloseima, e, ajudado pelo suor, escorreguei minha mão da mão firme de meus pais e me aventurei na multidão de estranhos para só depois, já saciado de risco e novidade, dar-me por satisfeito e então chorar pelos meus pais.

Sim, fui eu que me abandonei. Não no sentido choroso de desamparo, mas no sentido da entrega. Dei-me ao Circus, dei-me ao Labirinto, assim como agora estou me dando novamente. "Acaba Não, Mundo!" não é um apelo ao pai-Mundo para que ele não me abandone. É uma ordem para que eu não acabe com meu próprio mundo. É um lembrete de que o Mundo está em minhas mãos, e que eu posso escorregá-las e aventurar-me sem me perder. Posso ser palhaço, feliz da vida. Posso ser Dédalo, conhecedor dos desvios. Posso ser gente, estranha multidão. E, em vez do choro, chamar a atenção de todos com um grito: "Ei, venham! Vejam só o que eu descobri!".

Seja o leitor, então, bem-vindo ao meu mundo que nunca acaba.

Comentários

Unknown disse…
Ai, meu Deus, que medo!
Eduardo:
Sentir-se injustiçado...acho que essa é a chave de tudo. Entre justiças e injustiças, acredito que só a própria pessoa sabe o que e como ela queria. Infelizmente sempre achamos que os outros devem pensar ou agir como nós...
Não falo isso só para você, mas sim, em bom tom, para uma abandonadora nata aqui. :)
Marilza disse…
Ah....você foi o 'abandonador' domingo passado. Senti falta das suas crônicas, massss como vc não vai mais nos abandonar, tá aqui de volta...rsrsrs
Alba Mircia disse…
Sempre estarei junto, segurando a sua mão.
albir disse…
Convite aceito. Não há mundo seguro, mas o Pátio me parece reconfortante.
Anônimo disse…
Abandonador! Fica tranquilo que tu és normal. rsrs
BIG bjo daquela abandonada último domingo...
Gente, correria danada aqui para não abandonar nada. :) Grato pelas mãos comentadeiras de vocês.
Ana Braga disse…
Pelo que entendi você é um empreendedor, corajoso descobridor. Abrir caminhos e passar aos seus seguidores só deveria dar a sensação de continuidade. "A fila anda", mãos competentes seguram sua intenção. Sou tia da Clara Braga, promissora adepta de sua bravura.

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