MINHAS CRIANÇAS >> Eduardo Loureiro Jr.

Minhas crianças não eram minhas originalmente. São filhas de seus pais. Mas quem pode dizer que as crianças são mesmo nossas, originalmente? Não seriam elas um empréstimo, uma delicada encomenda a ser cuidada e entregue no período de uma vida?

Carol nasceu antes, mas a que me chegou primeiro foi Julia, sem acento — sugestão minha. Eu a conheci já no hospital, e não tinha ideia de que a filha da irmã da minha então mulher teria um impacto tão grande na minha existência. A primeira vez que chorei pela dor de alguém foi pela dor da Julia. E a alegria do dia em que Julia me chamou para ler uma história e, de surpresa, leu-a para mim em vez de eu ler para ela, foi uma das maiores alegrias da minha vida. Julia é um dos três melhores seres humanos que conheci até agora. Certa vez, numa praia próxima a Fortaleza, quando íamos quase desistindo de atravessar uma série de dunas para chegar a uma lagoa, Julia, com cinco anos, saiu-se com essa: “Vamos desistir sem nem ao menos tentar?”. E é a voz dessa pequena menina, que passei a chamar de Linda Julia, que me orienta hoje em dia quando penso em desistir facilmente de alguma coisa — como de escrever esta crônica.

Conheci Carol dez anos depois, e também não tinha ideia de que a filha da minha esposa seria tão importante para mim. Carol é incrivelmente fácil de conviver. Embora já tenha treze anos, para mim é como se tivesse dois — o tempo de nossa convivência. Não vi Carol mamar, engatinhar, aprender a andar e falar. Vejo-a estudar, paquerar e aprender a se relacionar. E a dor de Carol já me fez bater à porta de seu quarto para conversar. Com Carol, as histórias ainda estão se fazendo, se tecendo nas miudezas dos dias. Tive que ler histórias para Julia por muitos anos até que ela própria pudesse ler uma pra mim. Carol, com certeza, me surpreenderá um dia, realizando um desses seus sonhos que ela vai semeando em meus pensamentos com uma abundância que parece brincadeira.

Crianças nos revelam nossa própria criança. Crianças nos lembram que, agora, somos adultos. E isso pode ser irritante, porque dentro de nós há uma criança birrenta, teimosa, querendo tudo pra si e pra já. Mas agora é tarde demais para querer tudo do nosso jeito. A criança agora é outra.

Crianças também nos lembram que devemos voltar a ser crianças se quisermos entrar no reino do céu — a felicidade. E está também dentro de nós esta criança criativa e radiante, cheia de confiança e esperança.

É esse sutil equilíbrio entre abandonar a teimosia e assumir a criatividade que tenho aprendido — com algumas recaídas — no contato com Julia e Carol: cuidar da própria criança cuidando de minhas crianças.

Comentários

Eduardo...
"E isso pode ser irritante, porque dentro de nós há uma criança birrenta, teimosa, querendo tudo pra si e pra já."
Ainda bem que seus leitores infantoadultos esperam o tempo que for necessário pela sua crônica. E a criança que existe dentro de você mais a voz da Julia vão sempre fazer você atravessar muito mais que dunas e deixar marcas, nesta existência, ainda mais profundas que as deixadas pelos seus textos. :)
Unknown disse…
Que bonito. Já tentei escrever sobre a minha criança - que não é minha originalmente - mas ainda não consigo traduzir o impacto dele na minha vida em palavras. É filho da minha prima, tem 5 anos, e qdo olho pra ele só consigo pensar: será que é possível amar alguém mais do q eu amo esse menino? Ah, e o nome tb foi sugestão minha: Eduardo! (Mas a gente se chama de Dudis e Nandis...rs).
Bjos!
Autora disse…
A saudade me trouxe aqui outra vez... e o destino não me decepcionou. Obrigada Eduardo Loureiro,o querido professor, por suas palavras.
vanessa cony disse…
Crianças são encantadoras.Normalmente ensinamos mas nos surpreendemos com a capacidade que elas possuem para ensinar,despretenciosamente...Olhos atentos,ouvidos apurados são capazes de perceber.Tenho certeza que a espontaniedade encanta .
Crianças são lindas...
Parabéns Eduardo,sua sensibilidade em perceber e se deixar encantar com suas lindas crianças fez do seu texto uma delícia.
albir disse…
Edu,
Essa sensibilidade de perceber as crianças como "pertencendo" a todos não é muito comum entre os "civilizados". Apesar dos esforços, até da legislação que afirma a responsabilidade de todos na proteção das crianças, a verdade é que só os índios sentem que as crianças da aldeia são "suas crianças". Parabéns por mais um texto inspirador.
Marisa, muito bom o termo "infantoadulto" substantivado. :) Deu pane de internet o domingo quase todo, e tive que deixar a infantoadulta aí esperando. :) Grato pelo carinho de sempre.

Sério, Fernanda?! Então agora eu quero a crônica do Dudis. Eu quero, eu quero, eu quero. :)

Kelly, que surpresa boa! Beijo pr'ocê. Mande lembranças à turma querida aí de Teresina.

Que bom que se deliciou com o texto, Vanessa. Continuemos nos encantando com nossos pequeninos.

Bem lembrado, Albir. Eu pensei que, dos índios, eu só tinha o gosto pela rede e pela tapioca. :)
Jaque disse…
Como nada é por acaso... eu também tenho uma criança em minha vida, é minha priminha de 2 anos. No feriado voltei para casa e ela estava lá. Fiquei dois meses sem vê-la e já não aguentava de tanta saudade. Apesar da pouca idade, essa minha princesinha nissei carrega a perda do pai desde os 6 meses de vida. Nessa época, de mta dor e sofrimento para toda a família, ajudei a cuidar dela. Para quem nunca trocou uma fralda que não fosse de bonecas, até que se deu bem dando banho sem fazê-la chorar. Nossos laços se fortaleceram ainda mais e cada vez que a reencontro sinto renascer uma outra criança, um sentimento de alegria, paz e conforto. Brincamos o fim de semana inteiro, fomos ver os patinhos na lagoa, andar de “biciquetinha” (como ela fala bicicleta), ver os peixinhos no aquário da padaria da esquina... Coisas tão simples e cheias de felicidade, seja no seu sorriso com furinhos nas bochechas, na sua forma de pisar descalça na grama, a maneira um pouco tímida e educada como trata as outras crianças... Essa é a minha criança! É ela quem me faz enxergar os pequenos detalhes que as vezes são esquecidos. Acho que é por isso que Deus nos envia esses anjinhos. Parabéns, lindo o seu texto Eduardo!
Grato, Jaque. Bom saber da sua priminha, da sua criança. Ela deve estar muito feliz com seus cuidados.
Tânia Batista disse…
Menino Edu,
Que bom podermos encontrar nas "crianças nossas do dia-a-dia" as crianças belas que somos e aquelas outras que ainda seremos. Linda Julia me lembra Déa e Déa me lembra a doce leveza de ser criança...sem perder a ternura jamais...Sortuda essa Carol...Se ela está lendo este "post" uma dica: o menino Edu é um bom contador de histórias...Aproveita!!! :-)
Manoel manda abraço.
Surpresa boa, Tânia. Bom receber sua criança por aqui. :)
Carla Dias disse…
Eduardo... Linda demonstração de afeto as suas meninas. Crianças nos permitem reaprender a adultice, sempre que ela nos aborrece, nos embrutece. Que bom que a Julia e a Carol aportaram na sua vida.

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