MEMÓRIAS DO DIVÃ >> Fernanda Pinho
Eu estava achando o mundo estranho, as pessoas confusas e os questionamentos insolúveis e, então, por minha conta, decidi que era hora de fazer terapia. Sem referência alguma, procurei um psicólogo na Internet e marquei uma consulta. A experiência foi desastrosa, pois o homem era esquisítissimo, me deixava pouco à vontade, com a sensação de que, a qualquer momento, ele iria tirar uma arma de trás de sua poltrona e me balear. E pior. Ele insistia em me chamar de Flávia. Sorte a minha é que eu nunca tive problemas de identidade, ou teria pirado de vez.
Mesmo assim, cheguei a frequentar umas quatro seções e só desisti quando eu tive a certeza de que não tinha jeito: eu nunca confiaria nele, ele nunca aprenderia meu nome. E foi então que aconteceu o fato mais bizarro dessa experiência pois, estranhando meu sumiço, o homem resolveu me telefonar.
- Oi, Flávia, tudo bem? Eu notei que você não veio mais ao consultório. Aconteceu alguma coisa?
- Flávia? Quem é Flávia? Você ligou errado, aqui não tem nenhuma Flávia!
Isso foi o que eu pensei. Na verdade, eu disse:
- Ah, eu não vou poder continuar com a terapia porque não estou tendo tempo. Desculpa não ter avisado antes.
- Tem certeza de que é só isso, Flávia?
- Não, não é só isso. Acontece que se tem alguém que precisa de terapia aqui esse alguém é você. E meu nome não é Flávia, é Fer-nan-da. F-E-R-N-A-N-D-A, entendeu?
Isso foi o que eu pensei. Na verdade, eu disse:
- Sim, é só questão de tempo mesmo. Estou trabalhando demais, sabe como é...
- Humm...então não é problema financeiro não, né? Porque se for, eu te atendo de graça. Eu gostaria de continuar, porque você é um caso muito interessante para minha linha de estudo...
- Um caso muito interessante? Você tá me chamando de louca?
Isso foi o que eu pensei. E disse.
Obviamente, depois do acontecido, fiquei ainda mais desesperada em busca de um bom terapeuta, afinal eu tinha um novo – e grave – questionamento a ser resolvido: por que cargas d’água eu era um caso muito interessante? Foi então que minha cabeleireira me indicou sua amiga, que é psicóloga. Seguindo a linha de raciocínio “ela cuida bem da minha cabeça do lado de fora, então sua amiga saberá como cuidar da minha cabeça por dentro”, apostei minhas fichas e fui.
Olha, desde então, me tornei uma diletante da terapia. Naquele consultório descobri coisas que mudaram minha vida. Criei um vínculo raro com a nova psicóloga que, além de ser uma excelente profissional, sempre teve uma empatia gratuita por mim (e eu por ela). Foi ela quem me fez entender, por exemplo, que não temos o poder de mudar ninguém. Mas temos o poder de nos afastar de quem quisermos. Um aprendizado e tanto para uma mimada e birrenta como eu.
Pena que, de fato, fiquei sem tempo e tive que parar com a terapia. Talvez se eu tivesse continuado, eu poderia ter resolvido algumas coisas que ainda me atrasam muito. Cheguei a essa conclusão um dia desses quando, por um acaso, me reencontrei com a psicóloga. Me bateu uma angústia quando ela me perguntou sobre certos padrões que ainda continuam a se repetir. Tentei disfarçar, mas acho que ela notou minha cara de quem tomou bomba na escola.
Porque de nada adianta ter a melhor terapeuta do mundo se você tem um talento inato para sempre, invariavelmente, fazer as escolhas erradas. Ainda bem que eu não sou assim, né, gente? A Flávia é que é.
Comentários
Agora sério: gostei muitíssimo do texto. Superbem escrito e gostoso de ler.
Beijos
Fê
Ai, sempre quis fazer terapia, acho que preciso, embora eu me resolva escrevendo... sei lá!
beijo
Acho que F. Pinho resolve a questão. Abraço.
Abs
Fernanda: concordo! Nosso nome é muito lindo pras pessoas ficarem cometendo essa blasfêmia :)
Lah: ainda não descobri porque eu era um caso muito interessante. Acho que nem quero...rs
Albir: você me fez levantar uma hipótese. Quem sabe eu tinha (ou tenho) um alter ego e, sem saber, me apresentava como Flávia para o psicólogo? Vai ver que é por isso que eu era um caso interessante...que medo!
Marilza: pois é, eu superrecomendo a terapia. Mas se a gente não tiver confiança, já era.
Beijos!!!
Haha! Muito bom! Engraçado.
O fato do terapeuta ter lhe chamado de Flávia, me lembrou de algo que ocorreu comigo durante, pelo menos, dois anos. A maioria das pessoas me chamavam de Matheus. Na verdade acredito que não tinha o H no nome, mas coloquei, já que me emprestaram.
Tipo, pessoas que me conheciam a pouco, e por vergonha de perguntar meu nome novamente, chamavam-me de: Matheus. Mas essas pessoas nunca me incomodaram. Elas não são obrigadas a decorar meu nome logo que eu o digo para elas. E se tenho, ou não, cara de Matheus também não é problema deles. O problema são os amigos, amigos que convivia boa parte da minha vida, me chamarem de Matheus!!! E, por incrível que pareça, não era gozação ou brincadeira. Eles não lembravam. Eu namorei uma amiga que tinha essa mania de me chamar de Matheus, e durante o namoro ela me chamava de tal. E o que eu fiz? Reciclei a amizade. Fiquei com aqueles que conseguiram aprender meu nome.
Adorei a sua crônica!
Abração!!
Beijos!
E nem preciso dizer que me identifico a cada palavra que vc escreve. Às vezes acho que vivo numa série de tv, onde eu penso em algo, digo o contrário! hahaha
E eu lembro quando vc me contou esse causo...psicólogo MALUCO!
Tenho muita, muita vontade de fazer terapia, e acho que tb iriam querer me estudar! E acho ótimo!rs
Amo ocê!
Beijos