A SINA DOS SINAIS >> Eduardo Loureiro Jr.

astreia — Flickr.comA vida avisa. Improvisos têm provisões. Chama tem chamado. Pele tem apelo. Pavor tem pavio. No começo, são só dois pontos, distantes, desconexos, invisíveis a um só olhar. Depois multiplicam-se os pontos — intermediários — chamando a atenção. O olhar, então, começa a ligá-los. Adivinha-se a figura. A sina tem sinais...

Quando era para ter sido a última vez em que eu a veria, eu lhe disse no ouvido, feito segredo: "Que pena. Logo agora..." — providente improviso. Invisível traço entre o meu ponto e o dela. Joelhos e cabeça curvados ao destino.

Quando nascemos, estamos nus. Nudez é companheira dos nascimentos. Quando durmo nu, já sei que planto inícios, aviso à vida.

No dia seguinte, acordei tarde demais para surpreender o sol na praia. Fui surpreendido por ele. Olho do sol em mim, aviso de calor feito motor de carro que se liga para a viagem. E então ela. Esperança do que não se espera. Seu corpo feito marcador de livro na minha história. Livro aberto, enredo esquecido, história retomada: "seria uma sereia ou seria só um sonho de criança?" Chamado da chama do sol.

Meu corpo treme feito os que sabem mas ainda não estão prontos para agir. Faço uma prece na pressa de ser feliz. Tomo música querendo ouvir coragem. Conclamo forças. Parto atracas. Invento versos...

Meu bem dorme ao lado
— sem dar por nós.
Respira vento, desenha seios
— remoto controle da onda em meu próprio peito.
Vermelho das unhas de seu corpo branco
ainda pinga a tinta de onde veio.
Meu coração... coração meu?
Parece agora que é alheio.

A indecisão demora, tem longas histórias, encena floreios. A ação é rápida, mesmo que sem jeito. Água numa mão, chocolate na outra: se tivesse a mão livre, puxaria a mão dela antes de pedi-la — a pele apela. Puxei-a só com essas mãos sem unhas — as palavras.

Quando o traço chega do ponto ao ponto, vê-se que não é ponto: "olha, menina, mostra o teu pensamento, dentro dessa cabeça eu sei que tem um universo". Ponto pessoa é planeta. Pele é atmosfera. O espaço da distância é o tempo de outra era. Frágil é o que se toca e se quebra. Frágil é o que se quebra ao ser tocado. Frágil é o que se quebra ao tocar. O traço une os pontos, mas os pontos continuam lá e cá. Ausência de toque. Depois do traço, o lápis do olho se eleva ao espaço.

O pavio do pavor acende: "que não seja Ela, que não seja Ela, que não seja Ela..." Pergunto para que não seja, para que não tenha, para que não faça, para que não sinta, para que não cante, para que não haja... Pergunto, pergunto, pergunto... Na borda do precipício do silêncio, muito se fala.

Não, não é Ela. Mas é tão feito Ela. Como se Ela avisasse: "Prepare-se! Decifre, da sina, os sinais." E por não ser Ela, eu ouso o toque e beijo sua mão — tão fina e macia como eu quero que seja a dEla —, e beijo seu rosto — tão morno e suave como eu quero que seja o dEla — e me precipito na vertigem do silêncio sem mais palavras.


Comentários

Juliêta Barbosa disse…
“Puxei-a só com essas mãos sem unhas — as palavras”.
Da próxima vez, tente com os olhos! Eles funcionam como ímã e nos protegem do encantamento das palavras. Eles não mentem, mas elas... Ah, tempo, palavras-promessas e ventos, os três mosqueteiros que destroem o código do amor. Lindo texto, Eduardo! Virei sua fã e vou voltar sempre que precisar de um pouco de poesia, delicadeza e encantamento para tornar os meus dias mais leves.
Carla Dias disse…
Os improvisos são sábios e serelepes. Hoje não vou improvisar: lindo texto.
Anônimo disse…
nossa, que lindo....ainda bem que passei por aqui!
Pode deixar, Juliêta, tentarei com os olhos da próxima vez. :) E venha sempre que eu tentarei sempre ter alguma poesia para as suas visitas.

Também sem improvisos: grato, Carla. :)

Joana, ainda bem que passou e deixou um rastro. Passe outras vezes. :)
Anônimo disse…
Ai, ai... e eu que apenas achava que estava me apaixonando por seus textos agora tenho certeza! as minhas segundas não são mais as mesmas... danou-se!!!
Anônimo, as segundas não serem as mesmas é um bom começo para toda a semana não ser mais a mesma. Que bom que está gostando.
Tânia Batista disse…
Teu texto me lembrou Drummond em "A hora do cansaço":

"As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade."

beijo, amigo querido meu
Eita, Tânia, você foi longe e fundo. Ainda estou tentando alcançar. :)

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