A ENCRUZILHADA >> Eduardo Loureiro Jr.

Marcio Melo - Encruzilhada
"Para aqueles que viajam, o tempo não existe — só o espaço."
(Paulo Coelho)

A cidade mudou. A ponte, cuja construção esteve parada durante os dois anos e meio em que morei aqui, virou novamente um canteiro de obras. O homem que trabalhava até oito horas da noite, agora caminha no calçadão da beira-rio em pleno final de tarde. O casal, que havia se separado, passeia novamente lado a lado. A professora está incrivelmente mais magra. A amiga será avó de trigêmeos. Eu mesmo -- que agora estou aqui de passagem — cheguei diferente: o cabelo mais comprido e a consciência de que daqui a pouco chegarei à encruzilhada.

Numa encruzilhada, não há grande dificuldade de escolha. Os caminhos — não importa o número deles — podem se resumir a dois: um que nós pensamos que os outros escolheriam para nós, se tivessem esse poder; e outro que nós mesmos queremos escolher, apesar de eventuais evidências em contrário. No fundo, é uma escolha entre fazer a vontade dos outros ou a própria vontade.

Alguns de nós tomam a decisão imediatamente, porque já tomaram uma decisão básica antes: sempre arriscar com a própria vontade; ou sempre ceder à vontade alheia. Para a maioria de nós, entretanto, essa decisão prévia não está tomada e temos que, a cada encruzilhada, procurar o oráculo que são os outros e que somos nós mesmos. Entregamo-nos a consultas, a pedidos de conselho, à obtenção de sugestões de pessoas que nos parecem mais aptas, mais sábias, mais experientes. E, ao final do dia, quando as luzes se apagam, recorremos a nós mesmos — nem que seja no mundo inconsciente dos sonhos —, perguntando o que queremos.

Durante essas conversas que antecedem a decisão, imaginamo-nos no futuro. "Se eu escolher esse caminho, daqui a algum tempo estarei...". Se eu optar por aquele outro, minha vida será...". Os futuros estão lá, não como coisas que ainda não existem, mas à maneira de cidades que se encontram à beira de estradas que também já estão lá. O tempo vira espaço. Mas isso não diminui nossa dúvida, porque podemos não conhecer uma das duas cidades e não termos meio de comparação. Podemos mesmo não conhecer nenhuma das duas cidades, e a escolha pode parecer completamente cega.

Mas tudo é teatro, dramatizações da mente, porque há uma forma bastante simples de determinar qual rumo seguir. Não, não é jogando uma moedinha pra cima (embora essa seja uma opção divertida). Cada caminho imaginado tem uma força. E nós só precisamos sentir de que lado da força estamos ao imaginar cada caminho. Qual dos dois caminhos nos faz mais forte? Qual dos caminhos nos dá a sensação de que podemos mais? Esse é o caminho a seguir.

E não nos deixemos iludir por exterioridades. O caminho que nos faz fortes pode nos fazer parecer fracos aos olhos dos outros, pode até mesmo nos fazer submeter à vontade de uma outra pessoa.

Decidir é relativamente fácil, o difícil — também relativamente — é comprometer-se com a decisão perante os outros. Porque nós levamos os outros pelos caminhos que escolhemos, assim como os outros nos levam por seus caminhos.

Para os que caminham no tempo, há riscos de arrependimento: "Ah, se naquela época eu tivesse decidido diferente...". Para os viajantes — que caminham sempre no espaço, mesmo naquilo que os outros pensam ser caminhos de tempo —, tudo continua lá, visitável: todos os caminhos acessíveis por uma nova viagem, destino de uma nova vontade.

A força de quem escolhe o próprio caminho tem a forma de asinhas nos pés. Sua velocidade não é a dos ponteiros, mas a da luz. A Terra não é limite; é pedra entre as pedras do caminho das pedras do universo — aquilo que é único sem deixar de ser diverso. E o passo daqueles que decidem seus caminhos no sentido da força é o passo de gigantes para os quais as encruzilhadas do tempo não passam de casas vizinhas numa brincadeira descontraída de Amarelinha.


Comentários

Anônimo disse…
O que nos faz mais fortes: o caminho escolhido ou a bagagem que carregamos? São tantas as encruzilhadas!
Com a sua bagagem, Eduardo, fica bem mais fácil escolher o caminho ( ou mais difícil? )
Uma coisa é verdade: você escolheu o caminho certo na hora de optar por escrever - você cria asas na sua imaginação ( ou na nossa? )
Tia Dalva
Eduardo,
"Porque nós levamos os outros pelos caminhos que escolhemos, assim como os outros nos levam por seus caminhos." Só essa frase já é um texto. Impressionante a análise verdadeira das nossas escolhas! Que bom que te sobram palavras para deixar quem te lê sem elas. :)
Tia Dalva, grato pela confirmação da escrita alada. :)

Marisa, é bom levar e ser levado nesse caminho de crônicas e comentários. :)
Anônimo disse…
Querido amigo Eduardo,
Me parece que você já escolheu o seu caminho e vive nele, bem, como um peixe em água limpa.
"Qualquer lugar é um..."
Sabe o que me encanta em sua poesia?
O modo como transporta o leitor para ela: surpreendentemente!
Beijo,
maria
Popozão! disse…
Júnior, é impressionante como você faz parecer simples a arte da escrita e, principalmente, a arte de viver. Obrigado por mostrar de maneira tão clara que as encruzilhadas da vida não são um obstáculo. São, na verdade, momentos ímpares de provarmos para nós mesmos que não precisamos provar nada pra ninguém.
Um grande abraço,

Neto.
Popozão! disse…
Desculpe a alcunha! Resultado de um apelido engraçadinho pelo qual querem que a Sarinha me chame. :))
Carla Dias disse…
Eduardo... Escolher caminhos é quase uma missão, não? O fazemos diariamente, bem sei, porque cada escolha é um sinal, um traço a definir a estrada, o rumo. Cada pessoa que levamos conosco, as quais ficam com partes de nós, tudo e todos convergem eme scolhas que nos levem aonde.

Que seus caminhos sejam libertadores, amáveis, férteis.
Anônimo disse…
Mais um belo texto... me vejo diariamente em pequenas encruzilhadas, ter que tomar decisões, pedir aconselhamentos, escutar pessoas queridas e sábias e me encontrar comigo mesma, sozinha na hora de dormir, que acontece o diálogo interno... e haja diálogo! faz tempo joguei fora os remédios pra dormir e busco Força e Luz pra decidir qual estrada pegar...
Anônimo disse…
Edu,
Eu nunca escolha caminhos assim com tanta seriedade. Eu cuido da bem da asinha que ponho em meus pés e deixo ela me levar.

Vc pode imaginar quem seria capaz de fazer um comentário dessa espécie?

Adoro tudo q vc escreve. Saudadesssssssssssssss!!!!!!
Maria, foi bom saber-me "peixe em água limpa". Grato pela metáfora de vida. :)

Neto, gostei da "moral da história". Deu-me ainda mais força para o momento da encruzilhada. Grato. :)

Carla, só faltam agora nossos caminhos convergirem pra gente partilhar ao vivo as encruzilhadas. :)

Anônima força-luz, com essa dupla aí, as encruzilhadas são brincadeirinha de criança mesmo. Fico feliz que esteja gostando dos textos. :)

Anônima desafiadora, tentar adivinhar anonimatos é uma tarefa difícil. Mais fácil é escrever. :) Mas eu tenho cá minhas suspeitas. Para deixar as asinhas nos pés lhe levarem é preciso muito vento, certo? :) Um dia, eu chego lá: despido de seriedade, vestido de leveza.

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