"Os Compreendidos" >> Leonardo Marona
Quero dizer agora que não quero. Não quero mais. Não mais dizer que não sei de mais nada e tenho medo. Não quero que me dêem nada, que me dêem referência. Nada de ninguém se pode esperar porque a esperança é a face obscura do otimismo – outra é dar cabo da vida e para falar sobre isso seria melhor não fazer. A literatura do sim afinal só serve para juntar dinheiro e espelhos estrábicos. Aqui ela não servirá. O mais justo é tratar de amedrontar o ser humano pelas suas próprias leis e, amedrontado, retirar-lhe o sumo do sacrifício paganizado, provar-lhe a humanidade.
Exige-se para isso o despojamento do cinismo e uma boa dose alcoólica, mas nem todos têm estômago. Nem bem abri o parágrafo, ainda há tempo de parar. Mas o passo adiante é o que mantém intacto o absurdo, que rege a vida sobre a Terra. E essa é minha única referência. Que viver é seguir o absurdo até a carne. Que amar não é nada além de ter muito medo e querer alguém que nos ampare, que sacie todo o perdão avulso, alguém que se corte no nosso lugar. Amar é esperar o anticristo.
Não amar, eis o que sobra à bondade cristalina. Além de quebrar-se em passos imprecisos pelas ruelas imperdoáveis do passado, porque somos todos, mais tempo, menos tempo, feitos de passados imperdoáveis.
Não amar e esperar que tudo possa acontecer – ainda mais, ter uma noção aproximada de uma gama de causas e conseqüências, apenas para se instalar no meio delas, se entranhar delas, nutrir pequenas mentiras pelo bem da causa pública. Assim fazem os sem estômago. Assim farão os poéticos sem olhos.
Aos que vomitam, aos que ainda sentem engulhos, calar-se, olhar-se no espelho, balançar a cabeça em pêndulo, constatar o fato: o mundo passou por vocês. Não passam de petróleo, camada mineral, estatísticas encomendadas, vocês que se sentam ouvindo blues e martelando as teclas de uma máquina de escrever qualquer, que rasteja assim como vocês, a máquina, e bate forte e devagar, como um coração precipitado.
Pena de todos vocês amantes constantes, pobres figuras descabeladas no centro do inverno serão vocês, perdidos nas ruas com bons poemas nos bolsos – mas quem os lerá? Essas jaquetas, esses coturnos surrados – ah não vista essa mortalha! – ou vista pela última vez.
Por onde desaparecem na junção da noite? O que, desgraçados, desajeitados, existe ainda para fazer outra vez sorrir? Apesar do castigo da morte constante, ó sensíveis que deixais usar “ó sensíveis” nas frases! O que aconteceu com aquela impetuosidade selvagem, com toda aquela associação de idéias? Para onde a boca alheia em elogios inúteis, o que foi feito da velha bandana em volta do pescoço?
Ah não mais vemos vocês nas motos caindo aos pedaços, seus pedaços caindo delas, levando vento na cara, soprando a canção futura. Foram-se os moinhos multiplicados, partiram os últimos navios, no campo verde, os corvos. Aprendemos finalmente a amar, essa palavra pegajosa. Não precisamos mais dos arroubos, dos sapateados na chuva, já escolhemos o nome para a futura geração. Seremos “Os Compreendidos”, seremos os das doze peles, os que agem para não morrerem e se adaptam às paredes.
Amar é aceitar que as pessoas não são assim tão admiráveis. Somos os ladrões sorridentes. Por isso amar é o que há de mais humano, aprendemos essa aula: amar é um roubo. Pois se abdica deliberadamente do ideal e mergulha-se na tragédia inevitável da pele. Fora daqui com essa flechas em chamas, retirem os precipícios, os frascos envenenados, os sonetos de exatidão métrica. Os olhos furados, as costas açoitadas não nos deixam mentir. O problema maior é essa tristeza mais leve, que fica feito carrapato, e é a própria constatação da vida. E sempre sobrará algo, um resto úmido de qualquer coisa contínua, ao caçador de constantinoplas.
Exige-se para isso o despojamento do cinismo e uma boa dose alcoólica, mas nem todos têm estômago. Nem bem abri o parágrafo, ainda há tempo de parar. Mas o passo adiante é o que mantém intacto o absurdo, que rege a vida sobre a Terra. E essa é minha única referência. Que viver é seguir o absurdo até a carne. Que amar não é nada além de ter muito medo e querer alguém que nos ampare, que sacie todo o perdão avulso, alguém que se corte no nosso lugar. Amar é esperar o anticristo.
Não amar, eis o que sobra à bondade cristalina. Além de quebrar-se em passos imprecisos pelas ruelas imperdoáveis do passado, porque somos todos, mais tempo, menos tempo, feitos de passados imperdoáveis.
Não amar e esperar que tudo possa acontecer – ainda mais, ter uma noção aproximada de uma gama de causas e conseqüências, apenas para se instalar no meio delas, se entranhar delas, nutrir pequenas mentiras pelo bem da causa pública. Assim fazem os sem estômago. Assim farão os poéticos sem olhos.
Aos que vomitam, aos que ainda sentem engulhos, calar-se, olhar-se no espelho, balançar a cabeça em pêndulo, constatar o fato: o mundo passou por vocês. Não passam de petróleo, camada mineral, estatísticas encomendadas, vocês que se sentam ouvindo blues e martelando as teclas de uma máquina de escrever qualquer, que rasteja assim como vocês, a máquina, e bate forte e devagar, como um coração precipitado.
Pena de todos vocês amantes constantes, pobres figuras descabeladas no centro do inverno serão vocês, perdidos nas ruas com bons poemas nos bolsos – mas quem os lerá? Essas jaquetas, esses coturnos surrados – ah não vista essa mortalha! – ou vista pela última vez.
Por onde desaparecem na junção da noite? O que, desgraçados, desajeitados, existe ainda para fazer outra vez sorrir? Apesar do castigo da morte constante, ó sensíveis que deixais usar “ó sensíveis” nas frases! O que aconteceu com aquela impetuosidade selvagem, com toda aquela associação de idéias? Para onde a boca alheia em elogios inúteis, o que foi feito da velha bandana em volta do pescoço?
Ah não mais vemos vocês nas motos caindo aos pedaços, seus pedaços caindo delas, levando vento na cara, soprando a canção futura. Foram-se os moinhos multiplicados, partiram os últimos navios, no campo verde, os corvos. Aprendemos finalmente a amar, essa palavra pegajosa. Não precisamos mais dos arroubos, dos sapateados na chuva, já escolhemos o nome para a futura geração. Seremos “Os Compreendidos”, seremos os das doze peles, os que agem para não morrerem e se adaptam às paredes.
Amar é aceitar que as pessoas não são assim tão admiráveis. Somos os ladrões sorridentes. Por isso amar é o que há de mais humano, aprendemos essa aula: amar é um roubo. Pois se abdica deliberadamente do ideal e mergulha-se na tragédia inevitável da pele. Fora daqui com essa flechas em chamas, retirem os precipícios, os frascos envenenados, os sonetos de exatidão métrica. Os olhos furados, as costas açoitadas não nos deixam mentir. O problema maior é essa tristeza mais leve, que fica feito carrapato, e é a própria constatação da vida. E sempre sobrará algo, um resto úmido de qualquer coisa contínua, ao caçador de constantinoplas.
Comentários
grato pela leitura. um abraço do leo.
...
foi eu ñ qeria deixar como anonimo!
Prof. Marisa: estava sentido falta dos teus doces comentários, por mais que me sinta supervalorizado, sinto falta.
Joana Doe: que belo nome, vc é detetive? vamos juntos, me dê a mão.
beijos a todos.
leo.