LEONARDO MARTINELLI (1971-2008) >> Leonardo Marona


Mais um poeta se matou. Por que essa frase parece tão cômica e eu não consigo rir? – a cara torta se engana diante do espelho. A morte do poeta é o próprio mito da contradição de viver. A busca do poeta, o verdadeiro poeta, que é só poeta e mais nada, portanto sendo nada, a busca do poeta é sempre a morte, o andar cambaleante de quem espera um cataclismo, a direção do poeta é sempre a resolução inevitável do que se funde fátuo, mas muitos poetas, como quase eu muitas vezes ou anteontem, não admitem que na busca da morte se encontre a vida bruta, sem regras, inacessível porque dispersa e cheia, sem arestas. E para isso serve o poeta: ensinar sobre a vida com a própria morte. Não falo aqui de apologias ou bustos erguidos de pedra. Falo da presença eterna dos vultos, dos signos insondáveis que regem vagas potências, falo aqui da necessidade violenta de se olhar fundo a morte nos olhos, assim frente a frente, oferecer a ela um pirulito, mas há que se voltar, isso muitos poetas se esquecem, porque algo de fora, de muito lá fora, lembrou que nem tudo está sob controle, e as paredes de repente incharam, e os amigos tomaram as mais longínquas embarcações, mas equivoca-te se pensas estar só, és da cor do precipício mas brilha em ti a máscara mais delicada, pudera alguém chegar bem perto, inclinar o julgamento para apaziguar o ânimo, devagar, junto ao ouvido, dizer: “calma, dorme um pouco, esquece isso”. Mas estás num círculo de coisas que giram e não lhe dizem mais nada, procuraste em falsos cânones a resolução do tempo errado, o tempo certo se apresenta e não sabes que decisão tomar, as portas se fecharam, não lembras de nenhuma prece, és todo caminho sem rédea, o desfecho se precipita à preguiça irrevogável de apenas e tão somente ser. É, sim, extremamente compreensível esse clichê antigo: a morte de mais um poeta. O que não se compreende muito bem – ah e com que força! – é a contradição representada pela sua perda, sem ao menos reconhecer sua presença. Porque o poeta será sempre essa contradição contínua, essa contramão da hipótese, vácuo a que se soma a palavra que deserta sem se desculpar.

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