FLOR DO CAMPO >> Eduardo Loureiro Jr.


Certo dia, após alguma insistência de minha parte, minha avó contou essa história, que eu não conhecia. Hoje, depois de ouvi-la muitas e muitas vezes de minha avó, de minha mãe e de minha irmã, eu reconto a história assim...


Era uma vez um reino onde vivia um pescador que pegou um peixe que havia engolido uma pedra preciosa que foi parar no fundo do mar não se sabe como. Quando o pescador abriu o peixe, descobriu a jóia — com espanto. O peixe ficou morto na praia, e o pescador levou a jóia para casa.

O pescador, que era viúvo, tinha uma filha chamada Flor do Campo, nomeada assim por sua beleza. Além de bonita, Flor do Campo era inteligente.

— Veja o que encontrei, filha.
— Bonita pedra, meu pai.
— É linda! Vou levá-la de presente ao rei.
— Ele não vai recebê-la.
— Não acha esta pedra digna de vossa majestade?
— Ele vai pedir um estojo, e o senhor não tem o estojo.
— Só você mesmo, filha. Diante de uma jóia tão valiosa, você acha que o rei vai pedir um simples estojo?
— Então leve, meu pai.

O humilde pescador pediu audiência e foi atendido. Apresentou ao rei seu presente.

— É uma bonita pedra. E agradeço sua generosidade. Mas não posso recebê-la sem um estojo.

O pescador pensou em voz alta:

— Flor do Campo estava certa.

O rei perguntou de que se tratava, e o pescador explicou. O príncipe, ouvindo aquela história, pediu ao rei para resolver, ele mesmo, aquela situação. Autorizado pelo rei, o príncipe propôs ao pescador:

— Sua filha parece inteligente. Eu ficarei com a pedra, mesmo sem o estojo, se a sua filha me fizer uma camisa com a areia fina da praia.

O pescador não soube o que dizer. Arrependido de ter ido ao palácio, e já lamentando ter achado aquela jóia, ele voltou para casa.

— Então, meu pai?
— Você estava certa.
— Ótimo. Vamos continuar nossa vida.
— Não é tão simples assim, filha. O príncipe se meteu na história, e agora quer que você faça para ele uma camisa com a areia fina da praia.
— Só isso? Não tem problema.
— Minha filha, isso não é hora para brincadeiras.
— Vá até o castelo e diga que eu terei prazer em fazer a camisa tão logo o príncipe me envie linha e agulha próprias para o serviço.

O pescador suspirou de desesperança. Pensou em discordar da filha. Mas assim como o rei permitiu ao príncipe que assumisse a dianteira, o pescador deixou-se guiar pelo conselho de Flor do Campo e voltou ao castelo.

— Senhor príncipe, Flor do Campo está disposta a fazer-lhe a camisa. Pediu-lhe apenas linha e agulha apropriadas ao serviço.
— Sua filha é mesmo muito inteligente. Quero ver se ela é também muito bonita. Traga-a aqui.

E assim aconteceu. O pescador levou sua filha até o castelo, e beleza como a de Flor do Campo o príncipe nunca tinha visto. Pediu-lhe imediatamente em casamento. Ela aceitou. O pescador consentiu. O rei autorizou.

— Minha futura esposa, há uma única condição para nosso casamento: que você nunca mais revele a sua inteligência para quem quer que seja.

Flor do Campo, que também se encantara pelo príncipe, aceitou. E houve sete dias de festa para celebrar o casamento.

O tempo passou. O velho pescador morreu num dia de sol, na praia, fisgado pelo anzol do pescador maior que é Deus. O príncipe e Flor do Campo foram morar em outras terras, onde viveram felizes até que o rei faleceu. O príncipe retornou para assumir o reinado: ele tornou-se rei; Flor do Campo, rainha.

Certo dia, durante sua caminhada matinal, a rainha Flor do Campo viu um camponês triste, sentado à beira da estrada.

— Algum problema, meu senhor?
— O salário está atrasado, rainha.
— Só o do senhor?
— O de todos. Desde que o novo rei assumiu.
— Não se preocupe. Mais tarde, o rei passará por aqui a cavalo. O senhor arranje uma vara e comece a pescar.
— Mas aqui não tem água, rainha.
— Faça de conta. O rei vai achar estranho e descerá do cavalo. Quando ele perguntar, diga que está tentando pescar seu salário que está atrasado.
— Mas rainha...
— Faça assim, se quiser receber seu salário. Mas o senhor vai ter que me prometer segredo. Não pode revelar ao rei que fui eu que lhe dei a idéia.
— Prometo, vossa majestade.

Não demorou muito e o príncipe passou por ali. Vendo o camponês naquela situação, apeou do cavalo.

— Pescando no seco?
— Estou tentando pescar meu salário que está atrasado.
— Desde quando?
— Desde que seu pai morreu.
— É só o seu salário que está atrasado?
— O de todos nós, vossa majestade.
— Pois que venham todos ao castelo amanhã para receber o pagamento.

No dia seguinte, o rei acertou as contas com todos os servos, deixando o camponês por último.

— Farei o seu pagamento logo que você me diga quem lhe deu a idéia de pescar no seco.
— Vossa majestade está certa. A idéia não foi minha. Eu posso ficar sem o pagamento.
— Esta não é uma opção. Se você não disser de quem foi a idéia, será castigado.
— Sinto muito, vossa majestade. Eu fiz uma promessa de não revelar.

Quando o camponês já estava sendo levado por dois guardas, a rainha chegou.

— Que está havendo, meu marido?

O rei contou-lhe o que se havia passado.

— Pode libertar esse pobre homem. Fui eu que dei a ele a idéia.

O rei ordenou que o camponês fosse libertado, e pagou-lhe em dobro o salário:

— Isso é pela fidelidade que você dedicou à rainha, guardando-lhe o segredo.

Quando ficaram a sós, o rei falou para Flor do Campo.

— Creio que você é inteligente o suficiente para saber que descumpriu nosso acordo ao revelar sua inteligência para aquele camponês.
— Sim, senhor.
— Creio também que você já me conhece o suficiente para saber que sou um homem de palavra.
— Sim, senhor.
— Então arrume suas coisas. Uma carruagem lhe levará para onde você desejar logo após o almoço. Como prova de minha boa vontade, permito-lhe que leve consigo uma lembrança, um presente, algo de que goste no palácio.
— Assim será, senhor.

Durante o almoço, Flor do Campo colocou um sonífero no prato do rei, que dormiu sem demora.

O rei só acordou algumas horas depois.

— O que aconteceu comigo? Onde estou?
— Você está na antiga casa de meu falecido pai.

O rei, ainda um pouco sonolento do remédio, fez cara de quem não estava entendendo. Flor do Campo completou:

— Você me autorizou a levar do palácio algo de que eu gostasse, como uma lembrança. Naquele palácio não há nada de que eu goste mais do que de você.

Vendo-a ali, na casa do pai, sem trajes de rainha, uma flor do campo, simples, bela e amorosa, o rei sorriu e disse:

— Você não tem mesmo jeito. Vamos voltar ao castelo. De hoje em diante, você está livre para usar sua inteligência da maneira que achar melhor.



E por essa história eu digo: Grato, Vó Izolda.
E por essa história eu digo: Bem-vinda, Flor do Campo.




Comentários

Eduardo, eu conhecia esta história, mas adorei a sua restauração. Agora satisfaça a curiosidade feminina: ela está dedicada a "alguém" especial? Esse final foi, digamos, suspeito :)
estrela disse…
Linda história. Já a salvei para mais tarde contar aos meus netos. Obrigada
Estrela
Anônimo disse…
Junoca,
É sempre muito bom ouvir de novo essa história!
Fiquei curiosa prá conhecer Flor do Campo :)
Bjs,
Tia Monca
Anônimo disse…
Edu,
Escutei essa história contada pessoalmente por você. Mesmo assim tive o prazer de ler. Feliz do homem inteligetente, feliz de você, que é.
Marisa, que bom que a história ainda circula por aí. Há alguma grande diferença entre a história que você conhecia e a que escrevi? Quanto ao final "suspeito", a crônica está claramente dedicada a Vó Izolda e Flor do Campo. :)

Estrela, ouvir essa história de uma Vó Estrela há de ser uma experiência inesquecível para seus netos.

Tia Monca (e ainda Marisa), há que se crer para ver. :)

Grato Anônimo. Vocês gostam de me fazer brincar de adivinhar, né?
Juliêta Barbosa disse…
Eduardo,
Flor do Campo es tu que foste privilegiado com uma Vó Izolda tão linda e sensível, e partilhas um pouco do que recebeste, conosco. Que falta faz aos nossos dias,avós com gosto de poesia! Passei por aqui e gostei do que li. Vou voltar!
Eduardo, dificilmente eu faço um re-comentário, mas já que você fez uma pergunta...
Há várias diferenças na sua história, principalmente na riqueza de detalhes e no tom medieval que você deu a ela. Eu conhecia uma narrativa bem mais simples. A sua ficou linda e envolvente. Bom, cá entre nós, feita por quem, né? Dispensa comentários! :) Agora quanto ao mistério da Flor do Campo, depois sou eu que gosto de metáforas, sei...rs
estrela disse…
Eduardo, não resisto a transcrever uma bela frase da vossa poetisa Ilka Brunhilde Laurito: "Vamos morrer um dia. Mas, histórias podem durar depois de nós. Basta que sejam postas em folha de papel e que suas letras mortas sejam ressuscitadas por olhos que saibam ler".
Estrela
albir disse…
Pela vida afora tenho aprendido e esquecido muita coisa. As histórias que ouvi na infância, entretanto, estão sempre presentes e com uma riqueza de detalhes que me surpreende.
Obrigado pela nostalgia. Abraços.
Anônimo disse…
Linda essa História...
Grata
Edu
Anônimo disse…
Mais um belo texto... sei que estou meio repetitiva mas a responsabilidade é toda sua, quem mandou escrever tão bonito? também conhecia uma versão mais simples dessa estória e realmente contigo ela fica cheia de sons e imagens... bonito!
Juliêta, vou lhe colocar na listinha de quem reconhece meu "lado feminino". Volte sempre, por favor. :)

Grato, Marisa. Perguntei porque estou pensando em desenvolver ainda mais a história. E não é bem uma metáfora, mas — se me permite o neologismo — uma metadêntrora. :)

Boa citação, Estrela. Vai que as histórias são nossa Vida Eterna. :)

Albir, no dia em que a gente perceber que tudo se resume a histórias, a vida nesse planeta será deliciosamente simplificada. :)

Ai, Anônimos, que custa botar o nome? :) Grato por lerem e serem tão gentis.
Hully Arar disse…
Eduardo, adorei a história.
Flor do Campo é sábia, inteligência é pouco pra quem age desta maneira. bj. Hully Arar
É, Hully, a mulher SABIA das coisas. :)

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