DRAMA COTIDIANO
< Ana Coutinho e Eduardo Loureiro Jr. >
— Vai mesmo furar a fila?
— Você sempre fez isso...
— Como sempre se nem me conhece?
— Sempre agora há pouco. Vi você furar e tô copiando.
— Então faz bem. Estou mesmo querendo ver as suas costas.
— Quer ver o que nas minhas costas?
— Dá pra conhecer uma mulher pelas costas dela. Entre aí.
— E de frente? Não dá pra conhecer, não?
— Eu não queria ser invasivo em nosso primeiro encontro. Mas também dá pra conhecer uma mulher pelos seios.
— Machista! Bem que eu desconfiei.
— Mulheres que eriçam rapidamente o bico dos seios têm tendência à agressividade verbal.
— Vê -se que você não sabe nada de mulher, por isso está aqui, sozinho, numa fila de cinema.
— Eu não estou sozinho. Eu estava esperando por você.
— Então está sozinho, porque eu não estou e nem estarei com você.
— Você vai gostar do filme. Mulheres que têm uma pinta um pouco acima de um dos seios gostam de histórias dramáticas.
— De drama, já basta a minha vida.
— Eu sei, querida. Mas na base dos seus seios estão as respostas para os seus dramas.
— Na base dos meus seios? Essa é boa. Tenho coisas muito mais interessantes do que um par de peitos. Mas esse é o problema do mundo: vocês, homens, não conseguem enxergar muito além.
— Eu enxergo além e lhe digo o que vejo: a fila andou um pouco. Você precisa dar uns passinhos pra trás.
— Até que enfim... não vejo a hora desse filme começar...
— Você tem costas lindas.
— Humf, não sei. Nunca vi as minhas costas. Tem muito de mim que desconheço.
— Quem esfrega as suas costas quando você toma banho?
— Eu mesma, oras! Até onde alcanço. Deve haver uma parte imunda.
— Posso ver de perto?
— Sua cadeira é perto da minha?
— Qual o número da sua?
— K8.
— Posso dar um jeito de sentar na L8.
— Se você enxergar a parte imunda das minhas costas da L8, fique à vontade.
— Vai ser bom ver o filme por sobre os seus ombros. Seus ombros serão o parapeito da janela dos sonhos.
— Se você não fosse tão tarado...
— Você sabe que "tara", em sânscrito, quer dizer "estrela"? Eu fiquei mesmo tarado, estrelado pela estrela que é você.
— Hum, sabe que esse seu perfil poético me pareceu melhor. Devia investir mais nesse seu lado...
— Pela sua sensibilidade poética, eu presumo que você tem uma pequena marca em forma de lua crescente logo abaixo de um dos mamilos.
— Xi, voltou! Ainda bem que a fila agora andou, acho que abriram a sala.
— E se eu me sentasse na K7?
— A vida nem sempre nos dá escolhas. Seu lugar já está marcado aí... não?
— C12.
— Nossa, lá na frentona... Seria um azar enorme sentar tão distante de mim se eu pelo menos fosse uma companhia legal. Mas, acredite, você se livrou de uma. Sou chatíssima nos filmes.
— Uma mulher com tantas lindíssimas curvas tem o direito de ser chatíssima em algum lugar. Vou sentar na K7.
— E vai fazer o que com quem comprou esse ingresso?
— Eu comprei todos os ingressos restantes depois que você comprou o seu. É muito provável que o K7 esteja no meu bolso.
— Então vamos correr que a fila definitivamente andou.
— Não entendo que graça você vê na gente se fingir de estranhos. Você viu a cara do casal que estava atrás de nós?
— Eles caíram direitinho, ora!
— Eu que sou caidinho por você.
— Um dia você compra, de verdade, todos os ingressos de uma sala de cinema só pra nós dois? Compra, compra?
— Só se nós dois assistirmos ao filme pelados, abraçados no tapete vermelho.
— Prefiro esse seu lado louco...
Comentários
Que bate-papo envolvente de um jeito, como dizem por aí: "tudo de bom".
Tem mais?
:)
beijo!!
Mais um dueto gostoso para a Senhora Letti, cozinheiros!