VIAGEM >> Eduardo Loureiro Jr.
No meio do caminho, tinha uma cidade. O carro deu o prego em Miranda do Norte. As horas de viagem se transformaram em horas de paragem. Do lado da oficina, tinha uma lanchonete que tinha uma dona que tinha uma filha que tinha um avô.
Eu tirei o violão do saco e fiquei dedilhando o dia, auxiliando o Sol a transformar pacientemente a manhã em tarde. A menina, que se chamava Vitória, e que já sabia falar — embora não comigo — amava violentamente as cordas do violão: batia, puxava... Seus cabelos me encaracolavam. E ela só parou de bater e puxar quando eu assobiei uma canção que eu não sabia que sabia, uma canção nova, novinha, que mais tarde seria a canção de Vitória e de seu avô.
Com o carro quase pronto, eu sentei para um último descanso: gentileza de não apressar um tempo já tão largo. Seu Moura, o avô de Vitória, estava lá sentado, com um olho fechado, seco, sem bola, feito um dia que perdeu um sol para ganhar a lua do outro olho — clara-escura —, que vê menos o presente que o passado.
— O senhor é daqui?
E Seu Moura desfiou sua história, suas duas mulheres, seus dezessete filhos, seu trabalho de agrimensor, os loucos da família, a loucura de sua filha, a mãe de Vitória... Tudo ele contava com uma voz muito baixa que pedia toda atenção.
Quando o carro ficou pronto e eu lhe estendi a mão, ele a segurou. E quando eu fiz gesto de soltar, Seu Moura agarrou meu braço com a outra mão. Eu e ele — um encontro improvável — enlaçados naquele terraço. Até que fui...
No fim do caminho, tinha um aniversário, ao qual cheguei atrasado. E lá, voando sentado, viajando quieto, conversando calado, eu descobri — a faca afaga: o dia todo tinha sido o aniversário.
neste natal
presenteie Atenção
"Noite enluarada.
O sereno cai em gotas.
Sementes de luz."
De madrugada, a lua nova nasceu, quase invisível, e me abraçou. E eu viajei por esse abraço. E eu: — Viajei por esse abraço.
Antes de regressar, um violão a ser afinado. E aquela canção, que era de Vitória e depois também de Seu Moura, agora era minha todinha deles:
Olha,
Vitória e seus dedos de aço
fazendo um violão em pedaços,
seus cachos cheios de luz.
Olha,
Seu Moura juntando os pedaços
de um tempo perdido no espaço,
mirando, do norte, uma luz.
Eu só quero ter coragem pra cruzar
o rio que é a chuva que cai devagar,
nadar pro alto, gota a gota, até chegar,
unindo o lado daqui ao lado de lá.
E quando sentei na poltrona número 2 do ônibus de voltar — porque o carro resolveu ficar por lá—, eu chorei feito um menino que deixa a mãe pra aventurar.
Comentários
Meu avô era Agrimensor. Mediu muitas terras no Piaui.
Beijo,
every time I see you falling ,I get down on my knees and pray ..waiting for the final moments.....
Can you figure it out?I mean how I feel or better felt when I read that?
Love
Texto lindo e canção perfeita. Adorei a viagem.
Dilma
toda coragem prá cruzar o rio.
ternura prá ti, essa ternura que tu espalha pelo ar.