VISÃO >> Paulo Meireles Barguil

POW.

Estava no quarto, na semana passada, quando ouvi o barulho.

Achei-o parecido quando o quadro de energia se desarma.

Para testar a hipótese, apertei o interruptor e a luz acendeu.

Decidi, então, verificar a origem do som.

POW.

Ao sair do quarto, encontrei um passarinho vivo no chão da escada.

Ele acabara de se chocar, novamente, com a janela fixa situada no 2º andar, que fica acima da escada.

Presumi que ele entrou na casa por uma alguma abertura no térreo e tentou sair pelo local que tinha muita claridade.

Rapidamente, fechei as janelas do 2º andar, com exceção da que fica no escritório, a qual eu abri no máximo para que ele pudesse escapar da casa.

POW.

A cena é angustiante: ele voa com toda força e se choca com a parede de vidro, caindo, mais uma vez, no chão.

Decidi, então, também abrir totalmente as janelas que ficam no térreo.

Ao retornar, não mais o encontrei e conclui que ele havia saído com sucesso da casa.

Quantas vezes eu fui esse pássaro que, atraído por algo, entrei numa arapuca e me choquei contra obstáculos imperceptíveis para mim?

[...]

A crônica acabaria na frase anterior, mas o Universo me deixou em estado de choque, pois, hoje (14 de fevereiro), quando a estava redigindo, escutei novamente.

POW.

Atônito, saltei da cadeira e procurei o pássaro no chão da escada.

Não o encontrei e voltei para finalizar o texto.

Ao me sentar, o avistei a 40 cm de mim, no chão, embaixo da janela do escritório.

Rapidamente, a abri e roguei para que ele alçasse o voo libertador.

Não sei bem o que aconteceu, mas ele sumiu da minha vista.

Concluí, então, que ele havia partido e fechei a janela para que ele não mais retornasse.

Fiquei feliz pelo ocorrido, mas lamentando por não ter registrado meu visitante.

Segundos depois, escuto um ruído atrás da cortina da janela e o vejo batendo as asas, com o seu corpo colado à janela.


Se por um lado conseguir o registro me alegrava, por outro eu me sentia frustrado, por ele ainda não ter saído, e impotente, por não saber o que fazer.

Então, mais uma vez, abri ao máximo a janela e roguei para que ele conseguisse encontrar a sua liberdade.

O silêncio, enfim, foi restaurado e eu consegui concluir a narrativa.

Quão misteriosas e traiçoeiras são essas películas que, enganando a nossa visão, nos impedem de alçar o céu!


[Eusébio – Ceará]

[Foto de minha autoria. 14 de fevereiro de 2020]

Comentários

branco disse…
ahhhh...se existe uma "coisa" que merece ser lida....essa "coisa" é sua crônica. a simplicidade brilha e esse brilho engana aos que não mergulham além da superfície. muito, mas muito bom.....melhor que muito bom, melhor que excelente....
Sandra Modesto disse…
Que crônica maravilhosa! Uma cadência de cenas e narrativa mágicas. Parabéns!
Zoraya Cesar disse…
Que texto lindo e melancólico, com um final e tanto!
Nadia Coldebella disse…
Porque ele entrou na casa novamente - supondo que seja o mesmo pássaro, o que combina melhor com uma metáfora - e porque não consegue sair?
Será que o pássaro aprendeu a reconhecer onde estão as películas que lhe privam do mundo?
Linda cronica, maravilhosa metáfora.

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