O MARTELO DO BEM >> Albir José Inácio da Silva


Déti parecia em choque com as mãos no volante e a perna ainda esticada no freio. Margô abriu a porta da caminhonete e contornou a frente. Um homem de macacão e uma mulher seguravam no chão o cãozinho, que tinha parado de latir e respirava com dificuldade.

- Ele atravessou na frente do carro. – disse Margô à guisa de explicações.

Outras pessoas se aproximaram e, sem dar atenção pra desconhecida, discutiam estratégias para salvar a pequena vítima. Decidiram procurar Tibério, que foi ajudante de veterinário num sítio e agora trabalhava na farmácia.

Margô estacionou a caminhonete e ajudou Déti a descer. Seguiram o grupo que agora esperava em frente à farmácia. O cão estava vivo, mas, com alguns ossos quebrados, ia precisar de muitos cuidados.

- Como podemos ajudar? – perguntou Déti num fio de voz.
  
- Podiam não ter atropelado ele! – respondeu irmã Penha sem disfarçar a hostilidade.

Organizaram-se os vizinhos. O paciente ficaria nos fundos da farmácia, Tibério faria os curativos, outro traria comida, a farmácia daria os remédios e as pessoas se revezariam para cuidar do Sabugo. Sabugo era o nome do cão - agora sabiam - e não pertencia a ninguém. As duas nunca tinham vista tanta solidariedade nem mesmo com gente.

Margô teve de dirigir. Déti ainda estava mal e ficou roendo as unhas com o olhar parado na rua de terra.

- Eles não gostam de nós!

- Pelo menos gostam de animais. – riu Margô, tentando descontrair. – E ainda não nos conhecem.

- Não conhecem e já desconfiam de nós. Quando conhecerem vai ser pior.

- Não seja pessimista, Déti. O mundo está mudando. E não incomodamos ninguém, somos apenas duas mulheres.

- Que têm seus segredos.

- Todo mundo tem.

Pelo retrovisor, Margô viu que gesticulavam apontando o carro que contornava a praça. Cenhos franzidos e nenhum sorriso. Melhor não dizer nada pra Déti. Ainda bem que não precisava entender a Déti - uma fortaleza frágil e uma fragilidade forte. Crescia diante de um Golias e se desmanchava por causa de um cachorro atropelado.
 
Mas talvez fosse mais que isso. O maior medo da amiga era a hostilidade das pessoas. E os vizinhos não foram exatamente simpáticos. Mas elas estavam só chegando. Sabiam que os locais eram pessoas pacíficas, mas desconfiadas. Nos últimos seis meses tinham enfrentado hostilidades de verdade. Saberiam lidar com isso.

Rodaram mais trezentos metros até parar na frente da casa. Muito trabalho as aguardava. O mato chegava até as janelas e a cerca estava no chão em vários pontos. Mas agora precisavam descansar. A estrada foi longa. Descarregar a caminhonete ficava pra amanhã.

Amanhã iriam às compras e aos trabalhos. Dia de transformar sonho em realidade depois de tanto sofrimento. Dia de limpar, consertar, cozinhar e enfeitar. Dia de saber como estava o Sabugo.

(Continua em 15 dias)

Comentários

Carla Dias disse…
Ah, a espera...
Esperarei, na maior curiosidade. :)
Sandra Modesto disse…
Louca pela continuação. Parabéns pelo texto 1
branco disse…
no aguardo ! no aguardo ! no aguardo !
Zoraya Cesar disse…
ansiosa que esto, Albir!!!
Albir disse…
Obrigado a todos pela generosidade e carinho de suas leituras e comentários.

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