BIANCO SERENO, SR. >> Fred Fogaça.


A estreia era perfeita até ontem.
Tinha esse personagem que já queria construir, um velho de rabugência seletiva. Tinha um texto todo. Escrito quase pronto. Mas inadvertidamente deixei descansar em guarda baixa – quanta inocência – acordei desapontado, como previsível: mas não surpreso.
Bianco.
Bianco Sereno.
Seu Sereno, cá pra nós.
Que aparentemente assumiu o próprio arquivo e apagou. Quer dizer, se apagou. Seu Sereno não reserva arrependimentos e isso diz muito sobre ele. Sabe que mais diz muito sobre Seu Sereno? Que ele apagou tudo, tudo senão uma primeira frase. Tudo senão o que dizia, de começo: sem tempo pra esse negócio de estreia.
Seu Sereno maldiz novidades.
Seu Sereno, sem tempo, com a sua pá, cava coisas práticas. Seu Sereno meandra pelo húmus, enquanto cava o tempo por coisas práticas. Seu Sereno com seu húmus cresce alguns sentidos, espicha algumas outras novidades.
Mas nunca estreias. Seu Sereno maldiz estreias.
Seu Sereno é, que me lembre, cético: como no sobrenome, sereno, ele maldiz com tranquilidade. Escarnece de cara limpa. Seu Sereno apaga textos no meio da noite por motivos que, pelo que entendi, ficam explícitos no que deixou em seguida: sem tempo pra poesia, sem tempo.
Seu Sereno nunca vai a saraus mesmo que os mudem de nome. Seu Sereno não frequenta textos que o definem porque, em algum âmbito, isso também é poético. Aqui eu conto o que conto é às escondidas e a termos limpos. “Palavreamento desenfreado”, é como eu acho que ele dizia.
Seu Sereno se reserva à sua roça selvagem, essa é a verdade, e não quer se aborrecer com ambientes de novidade e de concordâncias exacerbadas que, apesar de tudo, não são objetos de aprofundamento. Seu Sereno não se afeiçoa a casas de ferreiro.
Seu Sereno nunca vai a saraus, nem se forem na Vila Madalena, porque não é adepto a esse ensino e aprendizagem de padres a rezarem sua missa. Seu Sereno também não vai a missas, mas ele não maldiz as rezas. Seu Sereno não meandra esses melindres.
Só em segredo.
Não sei ainda o quanto concordo com Seu Sereno, quer dizer, eu tinha lá minhas reservas à poesia, mas conforme fui sentindo a necessidade da maior expressão, o palavreamento foi se tornando desenfreado mesmo e aí entendi que os pequenos congestionamentos é que eram o negócio. Não que não haja eventualidades e eu até gosto delas, mas existe uma beleza no pouco falar que eu não sei explicar com todas as palavras.
Na verdade, desde de então não consegui falar mais nada com todas as palavras. Todas as palavras são muitas palavras. Seu Sereno também não deve gostar de muitas palavras, mas não chega à poesia.
É.
Talvez eu tenha mesmo é caído na besteira de falar com poesia, e à respeito do Seu Sereno ainda por cima.
Qu’eu siga sem o texto.
Quanta inocência.

*Publicada originalmente no Jornal de Caruaru, 27/06/2019

Comentários

Albir disse…
Para que o personagem não enlouqueça, enlouquece o autor.
Muito interessante.

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